O QUE O SEU DESEJO VÊ? Cruzando o caminho do sol - Corban Addison

 


                                                                                                                                                    

ADISSON, Corban. Cruzando o caminho do sol. Tradução de Mariângela Vidal Sampaio Fernandes. Ribeirão Preto: Novo Conceito Editora, 2012.

                                                                                                                                                    

Caroline Belchior da Silva 

Mestranda em Educação - FE-Unicamp


    Cruzando o caminho do sol é o primeiro romance de Corban Addison, escritor e advogado americano que é dedicado às causas dos direitos humanos, apoiando as lutas contra a escravidão moderna.
    A história é inicialmente dividida , no que se refere aos espaços da narrativa, entre os Estados Unidos e a Índia. Primeiro somos levados pelo autor à Índia, onde conhecemos as irmãs Ahayla, de 17 anos, e Sita Ghai, de 15 anos. Elas vivem com os pais e a avó no litoral, no sul do país em Tamil Nadu. Certo dia, quando estão caminhando na praia, são surpreendidas por um tsunami do qual somente elas sobrevivem entre seus familiares. Começa a partir daí o pesadelo das meninas.
    Aterrorizadas com o cenário de destruição, elas recolhem algumas de suas joias e saem caminhando com intuito de chegar até sua escola na cidade de Chennai. Contudo, o caminho até o colégio é longo e elas resolvem ir até uma vila de pescadores procurar ajuda e encontram um amigo de seu pai. O homem contrata um motorista para que as leve até a cidade, porém no meio do caminho o “motorista” vende as duas meninas que são levadas para um prostíbulo - aqui Ahayla tem sua virgindade vendida e passa a ser estuprada todos os dias pelo filho do cafetão e Sita segue a seu lado, intocada e apavorada com a possibilidade de ser a próxima.
    Do outro lado do globo conhecemos Thomas Clarke, um advogado de 30 anos que recebe um ultimato de sua empresa após o fracasso com um caso bilionário, forçando-o a tirar um mês de férias ou um ano sabático, sendo a última opção como oportunidade de estagiar em alguma ONG de direitos humanos. Thomas escolhe a segunda opção como um pretexto para ir para Índia tentar restaurar o casamento com sua esposa Prya, que estava prestes a acabar após o luto pela morte de sua filha Mohini de 10 meses e as tentativas falhas de Prya ao tentar convencer o marido a trabalhar em causas humanitárias em vez de defender a fortuna de bilionários.
    Os caminhos de Thomas e das irmãs Ahayla e Sita ficam fadados a se cruzarem. Ele passa a trabalhar com uma ONG que luta contra a prostituição infantil. Poucos dias após a sua chegada, ele participa de uma operação de resgate em um bordel onde havia duas menores, sendo que uma ainda estava com o “selo”.
Pulseira Rhaki
    Ahayla consegue ser resgatada, porém horas antes sua irmã havia sido levada pelo cafetão Suchir. Ela conhece Thomas e lhe dá uma foto de Sita. Implorando-lhe que ele a encontre; ela ainda lhe entrega a rakhi que sua irmã lhe dera. Mais tarde, ele descobre por sua esposa que aquele objeto simbolizava que a menina o havia considerado um irmão, um protetor.
    Enquanto Ahayla está segura em um ashram, Sita é obrigada a engolir capsulas com heroína e traficá-las até Paris, onde ela é entregue a um casal indiano e obrigada a trabalhar até à exaustão em seu restaurante, tendo de dormir no chão frio e se alimentando somente à noite com as sobras do restaurante.
    Após um forte interrogatório, a polícia descobre que Sita fora vendida a um homem chamado Navin e, após torturá-lo, descobrem que ela está na França. Temos a impressão de que tudo irá se resolver, porém o crime organizado não tem esse nome à toa. Navin é liberado da delegaciapor ordens superiores e, sem mais explicações, rapidamente viaja para Paris para tirar Sita de vista. Ela é enviada à casa de um casal russo que trafica moças da Europa Oriental, as prostitui e comercializa material pornográfico. Rapidamente a família indiana é enviada a Nova York e Sita é novamente vendida a um homem chamado Dietrich que é dono uma rede de pedofilia chamada Kandyland, procurada há anos pelo FBI.
    Thomas segue o rastro de Sita da França aos Estados Unidos e, após uma operação do FBI, eles conseguem prender Dietrich e salvar Sita e outras meninas que estavam presas.
    Ahayla, que acabou se engravidando de um dos estupros sofridos, finalmente reencontra Sita e Thomas consegue reatar seu casamento com Prya após ele decidir se dedicar às causas humanitárias.
    O livro me surpreendeu, pois a princípio me pareceu ser o tipo relato hipócrita que aponta para os países subdesenvolvidos como se fossem o inferno em terra e lugares como os Estados Unidos fossem o paraíso. Entretanto, é o contrário - o autor tenta mostrar as diversas formas de tráfico humano, tocando em ponto da pornografia onde ninguém sabe ou ao menos se pergunta qual a história daquelas mulheres. Será que elas estariam fazendo aquilo por vontade própria? Qual será a real idade delas? Sita, por exemplo, sai da Índia com um passaporte que informa ter ela 18 anos e dessa forma ela passa sem problemas pela imigração. A certa altura do romance, Sita está presa com meninas americanas de 12 a 18 anos e travam o seguinte diálogo:

Você fala o maldito inglês muito bem – disse Elsie.
Nós aprendíamos na escola – replicou Sita – e praticávamos em casa.
E por que não falam em sua própria língua?
Porque no mundo todo se fala inglês.
Elsie concordou.
É porque os Estados Unidos é o melhor país do planeta. (p. 362)

    Elsie tinha 15 anos e fora violentada pelo padrasto durante anos com o consentimento de sua mãe; quando esta tentou impedi-lo de fazer o mesmo com sua irmã casula, foi ameaçada de morte e fugiu pensando em se tornar modelo. Acabou sendo presa por um homem chamado Rudy que a estuprara e depois foi vendida, sendo obrigada a se prostituir todas as noites.
    Percebi esse trecho como uma forma de o autor tentar quebrar a crença dos americanos de que seu país é perfeito e de são os imigrantes que trazem drogas, prostituição e pedofilia.
    Recomendo a leitura do livro por apresentar um tema que acontece debaixo de nosso nariz e pela delicadeza do autor em descrever a histórias das meninas. Ele não vende sexo como os cafetões da trama, não encontraremos cenas detalhistas dos estupros que Ahayla sofreu, mas a descrição de seu sentimento, sua luta e de Sita em tentar esquecer tudo o viveram, suas recordações de quando seus pais estavam vivos e sua esperança em se encontrarem novamente para construir uma vida baseada na força que ganharam e não em como a ganharam.

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Comentários

  1. Romance me pareceu instigante, revelando um fenômeno execrável no mundo atual: o tráfico de mulheres em vários países do mundo, inclusive os mais abastados. Neste caso, a mulher vira artigo de comércio, de objeto de compra e venda. O texto está bem articulado, coeso e coerente - me deu vontade de ler o romance.

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    1. Obrigada professor, infelizmente é um assunto pouco falado e "entregue" as ONGS que não têm muito apoio do governo e diariamente travam lutas contra os poderosos que lucram esse comércio.

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  2. Caroline, você descreve com detalhes o desenrolar do romance e ao final nos provoca a refletir sobre essa temática assim como buscar o livro para apreciar a escrita do autor que cativou você juntamente com mensagem que é para todos nós. Parabéns!

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  3. Fiquei curiosa em saber como foi a escolha do livro...

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    1. Eu comprei esse livro há uns 7 anos, mas até então ele só estava reforçando o meu tsundoku (expressão japonesa para arte de comprar livros e não ler rsrs). Sempre gostei da cultura indiana, por isso o comprei e sinto que o li tão rapidamente pela mesma razão. Vários costumes, roupas, alimentos e etc são citados ao longo a história e por consumir tanto material sobre a Índia, conseguia visualizar facilmente o cenário e os personagens.

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    2. Que interessante seu relato! Ah e aprendi uma palavra nova! Tsundoku! A cultura indiana também me encanta...

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  4. Carol, sua escrita é agradável de se ler, e o enredo, se não virou filme, com certeza virará, porque é bastante cinematográfico. Só não vale contar o livro todo, para não acabar com o presente que é a descoberta, o inesperado, para o leitor. Um abraço!

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  5. Texto pontual, resenhista leve para descrever, pois permite o leitor sentir-se atraído para querer saber mais da obra. Parabéns, Caroline.

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  6. O texto me fez visualizar as cenas apresentadas, e seguir imaginando as possíveis situações aterradoras que as meninas passaram, e seguir refletindo sobre essa situação do tráfico humano. Gostei bastante.

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