A FORÇA DE UMA MULHER. A filha favorita - Fawzia Koofi
Simone Lucas Gonçalves de Oliveira
Fawzia Koofi publica a sua autobiografia nesta obra. Uma mulher de personalidade forte e obstinada que tem lutado por suas convicções e ideais, protagonizando ativamente em defesa das mulheres e das crianças e denunciando a violação dos direitos humanos em território afegão, sujeitando-se, por isso mesmo, a perigos e ameaças constantes. Embora não tenha medo da morte, teme deixar as filhas sem a mãe, pois ainda são crianças e já ficaram sem o pai. A cada viagem de trabalho deixa cartas de despedidas para as filhas, pois receia que algum dia deixe de retornar para elas. É considerada o símbolo do feminismo e da coragem da mulher afegã. Em 2009 foi eleita a Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico Mundial. Atuou na UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Foi a primeira mulher a tornar-se líder do parlamento afegão.
Fawzia, ao mesmo tempo que torna a sua história conhecida, leva o leitor a conhecer a política, a economia, a cultura e as tradições do seu país – o Afeganistão.
O Afeganistão é um país asiático de cultura machista e opressora para as mulheres com uma política bastante instável e vulnerável a conflitos ideológicos, religiosos e econômicos, no ambiente interno e com outros países. Ainda assim, segundo Fawzia, é uma terra bela e de gente boa, que coloca o bem do próximo acima do próprio bem estar.
Fawzia é a decima nona criança de seu pai, ele teve vinte e três filhos; e a oitava de sua mãe que era a segunda esposa do seu pai.
A religião predominante no país é o Islamismo e os seus seguidores são os mulçumanos. Segundo a religião, o homem pode ter até quatro mulheres, podendo ter outras além destas, desde que se divorcie das anteriores, nunca se separando da primeira, embora possa rejeita-la com a concessão de um dote extraordinário a ela e aos filhos que teve com ela.
O pai de Fawzia, um político influente, era abastado financeiramente e podia manter muitas esposas. Decidiu casar-se pela quinta vez, rejeitando a primeira e tornando a mãe de Fawzia sua primeira mulher. Segundo a tradição, a nova esposa deve ser recebida pela primeira esposa, que deve oferecer as boas-vindas, preparar a festa de casamento, acolher e acomodar bem a novata.
A mãe de Fawzia estava enciumada. Então, na expectativa de despertar novamente o interesse do marido por ela, engravidou. Tinha esperança de gerar um menino, porém uma filha lhe nascera – Fawzia, numa terra onde mulheres não são bem vindas. Tomada de revolta ordenou que sua bebê fosse abandonada sob sol escaldante para morrer. No entanto, ao entardecer, a criança ainda estava viva, mas com muitas queimaduras na pele. Com culpa, tomou a filha para si e decidiu amá-la mais que a todos os filhos que antes lhe nascera. A relação entre mãe e filha foi de parceria, cumplicidade, amizade e amor, por isso Fawzia se auto declara a filha favorita.
A vida era boa, em que pese a cultura e a tradição do país. A casa era confortável, tinha fartura de comida e era cheia de mulheres e crianças. Com o passar dos tempos, todas as esposas tornavam-se como irmãs, pois sempre havia uma criança nascendo ou uma nova esposa chegando. Pesava, porém, o fato de a mãe ser frequentemente surrada pelo pai, pois como primeira esposa nunca podia falhar. Essa experiência despertou nela uma consciência crítica, não considerava justo que sua mãe fosse tão espancada sem que ninguém a defendesse, nem mesmo ela própria.
Era ainda muito criança quando seu pai, ao tentar exercer sua influência na mediação de um conflito com um grupo revolucionário nacional – os mujahidin – morreu. Para a população significou a perda de um político querido e influente, para a família significou a perda de tudo. Dali em diante todos os homens da família se tornaram perseguidos políticos e as mulheres, fugitivas. Toda a prosperidade foi deixada para trás.
Primeiro os mujahidins, depois os russos, novamente os mujahidins, e por fim os talibãs. Conforme os conflitos aconteciam, os líderes políticos e religiosos voltavam suas atenções para os problemas nacionais de grande dimensão, as mulheres, já submissas, tornavam-se invisíveis na sociedade. Assim, com os homens da família fora de casa e com a sociedade desatenta, a mãe de Fawzia permitia a ela frequentar escola. Embora tenha entrado tardiamente na escola, alfabetizou-se rapidamente. Ainda colegial tornou-se professora de inglês.
As mulheres ficavam sujeitas a situações muito tristes; o risco de serem violentadas e assassinadas era muito presente, tanto pelo grupo revolucionário nacional, quanto pelos russos que invadiram o país ou talibãs. Diante disso, as mulheres eram obrigadas a usar o traje típico feminino, a burca, ainda mais discreto, escuro e fechado, como forma de não atrair a atenção de qualquer carrasco. A cada invasão ou guerra no país, se destruíam monumentos, prédios escolares, bibliotecas, universidades, destruíam a memória e toda a história de uma nação. Fawzia acompanhava tudo. O mundo afegão desmoronava, mas Fawzia, por sua vez, sob a ótica do horror e com muita raiva, se fortalecia.
Quando estava perto de ingressar no curso universitário, sua mãe morreu – o seu grande amor, a sua grande parceira. Não suportou, caiu em depressão. Os irmãos, que após a morte da mãe assumiram a proteção dela, não permitiam que ela estudasse, mas, ao verem ela se acabar, concederam a ela o direito de continuar os estudos. Tornou-se médica. Segundo ela, o ato de estudar salvou a sua vida.
Numa sociedade de tradição opressora e machista, a mulher não tem voz, não escolhe o homem com quem deseja se casar; normalmente; é apenas uma moeda de troca. No entanto, com Fawzia foi diferente, casou-se com o homem que ela amava.
O esposo também tornou-se um perseguido político, tendo sido preso por duas vezes. Na segunda prisão, contraiu tuberculose. Embora tenha recebido assistência médica e apresentado sinais de recuperação, foi a óbito ainda muito jovem, deixando Fawzia viúva com duas meninas pequenas.
Sem pai, sem mãe, com irmãos na condição de perseguidos políticos, viúva e com duas filhas crianças, tinha que continuar a lutar, não permitiria que suas filhas ficassem vulneráveis naquela terra. Engajou-se ainda mais em causas humanitárias em defesa da mulher e das crianças afegãs. Chamou a atenção do Ocidente para a situação caótica do seu país.
Hoje, conhecida mundialmente, não desiste, acredita que o futuro será melhor para suas filhas, para as demais mulheres e para todas as crianças do seu país.
A Filha Favorita é um livro sublime, uma literatura que a cada página o leitor se sente obrigado a refletir sobre a sua própria existência no universo. Fawzia, por sua vez, é o exemplo de ser humano que, ao renascer das cinzas, cresce em vida, vigor e coragem.
Um livro que mostra que o bem sempre vence o mal, mas este, por sua vez, antes de se dar por vencido, deixa um rastro de dor e angústia, que remédio algum cura as cicatrizes. O povo afegão é um povo bom, um povo sofrido.
Recomendo o livro para todas as mulheres feministas e para todos os homens que amam a força feminina.



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