QUANDO SECONHECE UM GRANDE AMOR. Carta a D - André Gorz (audiolivro)
GORZ, André. Carta a D. São Paulo: Cosac & Naify, 2014.
Leitura-audição do romance por Michele Cristiani Barion.
Partiram juntos porque não seria possível
para ele viver um segundo sequer
sem a presença dela.
Carta a D. foi a última obra escrita por André Gorz, pseudônimo adotado de Gerghard Horst. O escritor austríaco foi filósofo e jornalista, tendo vivido parte da juventude na Suíça; sendo filho de pai judeu, a mãe temia a convocação do seu filho pelo exército nazista ou que ele fosse preso devido a sua ascendência judaica, como acontecera com seu pai. Foi na França que André Gorz se tornou mundialmente famoso pelos seus livros e textos que muito contribuíram ao desenvolvimento do chamado marxismo-existencialista francês do pós-guerra.

De modo geral, esse livro retrata uma linda história de amor iniciada na Inglaterra na década de 50 onde, em 56 páginas, Gorz fala da jovem Dorine com quem partilhou a vida por quase sessenta anos e, que diante de tantos acontecimentos vividos juntos, essa tenha sido a única obra que deixara escrita para ser publicada após a sua morte, compartilhando com o mundo detalhes íntimos dessa relação que se findou em 2007.
Gorz relata que essa grande história de cumplicidade se iniciou desde a troca recíproca do primeiro olhar. “O que eu queria de mais valioso podia encontrar em você, no seu olhar, o futuro era você. Escapar de mim mesmo e se instalar em outro lugar era o complemento da irrealização do real”. Essa fala resultou da escolha que Gorz fez, trocando a vida de luxurias da sua família para viver o seu grande amor em um humilde quarto decorado com um velho sofá e uma estante de tábuas repleta de livros.
A fala do intérprete é muito clara quando discorre sobre as dificuldades que Gorz e Dorine passaram para conquistarem carreira, dinheiro e fama, até conseguirem adquirir uma casa antiga onde transformaram uma grande campina em um jardim de sebes, arbustos e árvores, lugar onde permaneceram até a morte.
Gorz publicou muitos textos em jornais e revistas com o incentivo da amada, e em diferentes áreas do saber. “[...] eu não podia trabalhar sem você. [...] ganhei o hábito de fazer você ler meus artigos e manuscritos antes de enviá-los. Eu considerava as suas críticas praguejando: ‘Por que é que você sempre tem que ter razão? Acho que eu precisava mais do seu julgamento do que você do meu’”.
O amado descreve a sua dama de forma admirável, pela facilidade em conquistar amizades, em adquirir novos conhecimentos e pelo seu apoio incansável a ele quando se debruçava sobre seus escritos. Ele buscava na filosofia explicações sobre o porquê amamos e queremos ser amados por determinada pessoa; todavia, dizia que explicar filosoficamente o alicerce de um amor era impossível. Nestes trechos de reflexão é interessante a ligação que o autor faz com os autores Merleau-Ponty e Sartre sobre alma e corpo.
e somente com ele ou ela.
No ano de 1973, o autor, nesta obra, relata a doença de Dorine, descrevendo o diagnóstico de aracnoidite. As viagens para consultas a especialistas fizeram com o autor escrevesse artigos para revistas médicas, já que eram presentes os assuntos desta área em seus dias. Este trecho no audiolivro, Gorz reflete dor e aflição frente ao tratamento da amada. Buscaram estudos e técnicas de autodisciplina, na ioga e em medicinas alternativas. Ele também informa que Dorine foi diagnosticada com câncer do endométrio; com a doença agravada, começaram a ficar mais em sua casa de campo. Gorz, mesmo descrevendo tanta tristeza que sentia em ver o sofrimento em silêncio de sua amada, refletia sobre a sua beleza aos 52 anos.
Estava tão bela e resoluta em seu silêncio que eu
não seria capaz de imaginar que você pudesse renunciar à vida.
Com o agravamento dos sintomas da doença, Dorz se fez presente em um quarto de hospital para acompanhar a amada e relata que não sabia ao certo quanto tempo ela viveria, mas destaca que deveriam viver o presente em vez de projetarem o futuro. O autor cita a Sinfonia de Shubert e os livros de Ursula LeGuin como boas companhias durante o tempo que passou no quarto do hospital.
Dorine havia melhorado e assim voltaram para casa. Mesmo diante de tanta angústia, lá estava a amada dando apoio a Gorz e o encorajando a escrever. E assim aconteceu o percurso da vida de Gorz e Dorine até ela completar 82 anos de vida. O autor sempre ao lado da amada não deixou de lado a escrita e sequer os cuidados com Dorine e isso é refletido até as últimas falas do intérprete a partir da narrativa de Gorz.
Estou atento à sua presença como toda
sua vida e tudo de si; e eu gostaria de
poder lhe dar tudo de mim durante o tempo que nos resta.
Uma bela história de amor com duração de um pouco mais de 2 horas de narrativa pelo audiolivro. O interprete possui uma boa locução, fazendo com que haja facilidade em entender e trazer emoção na trajetória da história. Todavia, há alguns trechos em inglês e em francês onde para explicá-los o intérprete lê possíveis notas de rodapé, como há no livro impresso. Nesses pontos houve uma troca de sintonia na voz do intérprete onde se perdeu em alguns segundos, o sentido na continuidade da história, considerando a audição por parte do leitor.
Após essa experiência, também houve a leitura do livro impresso, até mesmo para comparar as duas opções de leitura. O interessante foi relembrar a voz do interprete no desenrolar da história impressa, todavia o audiolivro trouxe a sensação de fechar os olhos e embarcar na história através do intérprete.





Comentários
Postar um comentário