AMBIÊNCIA E HUMOR. Memórias de um sargento de milícias - Manuel Antônio de Almeida (audiolivro)
DE ALMEIDA, Manuel Antônio. Memórias de um sargento de milícias. Narração Profissional. São Paulo: Universidade Falada, 2010.
João Victor Fiorot
Marco do início do romantismo no Brasil, Memórias de um sargento de milícias é uma leitura absolutamente necessária para quem gosta de narrativas longas, bem humoradas e repletas de contexto histórico. Escrita por Manuel Antônio de Almeida, foi originalmente publicada em folhetim e de maneira anônima entre 1852 e 1853 e, ao ser publicado como livro em 1854, teve como assinatura apenas “um brasileiro". É uma leitura deveras desafiadora, mas que recompensa a disposição de quem a fizer.
O enredo se desenvolve em torno das inúmeras idas e vindas da vida de Leonardo, criança endiabrada que, expulso de casa pelo próprio pai, é criado pelo padrinho cujo objetivo era torná-lo padre. Contudo, levado que era, não tinha tino para estudos ou para vida religiosa. Essa é a primeira força motriz da história; os outros motes que surgem são o interesse romântico de Leonardo por Luisinha, o recebimento de uma herança que o padrinho de Leonardo lhe deixara e uma rusga surgida do interesse que o pai do protagonista tinha por esse dinheiro e, ironicamente ao fim, os vários imbróglios que acabam por transformar Leonardo no sargento de milícias, anunciado no título do romance.
Os intérpretes do audiolivro são extremamente expressivos, o que faz com que nós, ouvintes, nos situemos sempre muito bem na história. Além disso, existe, nas transições de capítulos e ao fundo da narração e das falas, uma trilha sonora que ambienta com eficácia os momentos narrados. Através desse clima, percebemos um dos grandes atrativos do audiolivro: ele dificilmente fica monótono. No transcorrer do enredo, somos apresentados a alguns núcleos de personagens que parecem independentes, mas, ao fim, se encontram. É justamente essa alternância de ambientes e personagens, feita de uma maneira dinâmica, que evita a repetitividade da narração – embora, em um primeiro momento, seja ligeiramente confuso guardar nomes de tantos personagens e quais relações eles mantêm uns com os outros.
Para além disso, a abordagem do contexto histórico salta aos olhos. O espaço urbano brasileiro do século XIX é efervescente de figuras que, com tom caricatural, são exploradas, criando uma bela pintura do panorama social da época. Em geral, pode-se dizer que os personagens pertencem às classes baixa e média e isso abre uma pequena janela para vislumbramos aquilo que seria uma vida cotidiana de então.
Fonte: Aquarela de Debret
Mas, ao final, talvez o que melhor represente Memórias de um sargento de milícias seja seu humor. Ora irônico, sarcástico, ácido e sagaz, ora explorando os aspectos mais atrapalhados dos personagens, fazendo uma audição com um mínimo de atenção, é praticamente impossível passar desse audiolivro sem soltar ao menos uma gargalhada. E é especialmente nesse aspecto que os recursos da narração do audiolivro se mostram muito eficazes para produzir maior significado da obra. Os intérpretes, não apenas do narrador, mas das personagens, emprestam suas vozes para as entonações irônicas, comentários descabidos, constatações estapafúrdias, etc. É possível, inclusive, pelo tom com que as palavras são pronunciadas, inferir significados do riquíssimo vocabulário usado sem consultar um dicionário – algo que, caso em livro de papel, nem sempre é possível. Nesse aspecto, o formato de áudio é realmente um fator de intensificação da história, visto que, embora seja possível produzir humor através da escrita, os recursos humorísticos voltados para a fala são muito mais simples de serem compreendidos. A questão do timing evidencia-se com muita pungência.
Contudo, o formato audiolivro também pode oferecer alguns pequenos percalços. Como já dito, a estória é extensa (seis horas e quarenta minutos) e são muitos os personagens. Assim, com a fluidez do áudio que vai transcorrendo, é bastante possível encontrar-se perdido entre tantos nomes e situações simultâneas, sem possuir a facilidade de voltar pelas páginas fazendo uma leitura retrospectiva rápida (especialmente para quem grifa no livro). O cursor do player do audiolivro exige uma manipulação mais apurada e é inviável para fazer essas pequenas consultas àquilo que já foi narrado. Talvez, uma alternativa seria ouvir anotando, o que nem sempre é possível já que o formato audiolivro normalmente é escolhido para ser consumido em movimento.
Por fim, fica claro que Memórias de um sargento de milícias tem inúmeras características que apontam para sua relevância dentro da literatura de língua portuguesa e o formato auditivo é uma boa opção para conhecer a obra, pois, além de favorecer a inclusão de pessoas cegas ao mundo da literatura, como uma alternativa ao braile, infelizmente, nem sempre acessível, torna as pouco mais de 200 páginas das suas edições impressas mais tradicionais em algumas horas de narração, que podem ser ouvidas com fluidez no conforto dos momentos de lazer do áudio-leitor ou durante seus trajetos cotidianos.
Fonte: https://unsplash.com/photos/CnTiAl1fpRU
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