DAS CINZAS DE ONIRA - Umberto Mannarino

 Odilia Cardoso






Tem algo de diferente nas pessoas que cursam as ciências exatas. Parece que são atraídas e movidas pela fantasia e seus elementos extraordinários. Assim como o britânico e matemático Lewis Carroll criador de Alice no País das Maravilhas de 1865, o alemão atraído pela física Michael Ende criador de A História sem fim de 1979, o brasileiro e químico Umberto Mannarino nunca imaginou que se apaixonaria pela escrita e inicia sua caminhada no mundo fantástico nos presenteando com Das Cinzas de Onira, de 2019.

De acordo com os mitos populares, Onira significa senhora da ira. Dentre as histórias uma afirma que foi uma bela orixá guerreira que sentia prazer em matar os inimigos mesmo sabendo que era moralmente errado. Suas roupas vermelhas do sangue dos inimigos mais tarde são trocadas pelo vermelho do fogo que a consumiu, mas que, ao invés de derrotá-la, a fez mais forte do que nunca, tornando-se ela o próprio fogo.

Tal como a orixá cultuada na África, a Onira deste livro é um belíssimo mundo que já viu seus tempos de glória mas que foi destruído pelo fogo durante uma batalha e, tal como seus personagens, sobrevive do que lhe restou. Pequenas ilhas flutuantes refletem o que um dia foi Onira. Amada e cultuada pelos seus habitantes, hinos são cantados e histórias recontadas diariamente para louvar o esplendor que um dia teve.  

Tal qual este mundo, Olívia a personagem principal, também sofreu e sobreviveu a um incêndio que determinou seu destino. Uma garota de cabelos ruivos como o fogo, vermelho como a coruja favorita de seu tio, as duas nasceram assim, especiais. Na história a coruja é comparada com uma fênix que, tal como Onira e Olívia, renasce das cinzas.

Assim começa essa trama psicológica que estabelece paralelos entre o mundo real e o fantástico. Olívia acorda atordoada numa lareira coberta de teias de aranha, imensa dor, sem memória alguma do que lhe aconteceu. A garota sem saber o que lhe aguarda, instintivamente recorre à sua imaginação para vencer seus medos e problemas. A lareira, local propício ao fogo foi o que ironicamente a salvou, mas isto é tudo o que ela sabe.   

Mannarino questiona o leitor, mas será mesmo que Onira é real? Ou só fruto da imaginação de Olívia? A partir deste questionamento, se inicia uma investigação em 25 capítulos de suspense que beiram a loucura e tiram o fôlego. O convívio com criaturas de outro mundo leva Olívia a participar de batalhas que nunca imaginou enfrentar.  

O corpo desabou, encolhido em si mesmo. Fechou os olhos com força. O cheiro de pólvora se fundiu ao de sangue fresco, e o som dos companheiros gritando foi substituído pelo farfalhar cada vez mais intenso das asas batendo contra seus ouvidos ... O ar escapou de seus pulmões. Sentiu a consciência esvaindo aos poucos, alheia ao seu controle. (p. 214-215)

Os personagens são cuidadosamente pensados e descritos, carregando consigo uma peça de um quebra cabeça maior. Tudo - absolutamente tudo - está interligado e o autor nos deixa alguns Easter eggs (surpresas referenciais) pelo meio do caminho com referências históricas, de outras obras, de personagens renomados como o rei Arthur e Sherlock Holmes. Quando imaginamos ter entendido tudo e solucionado o mistério, outros mistérios surgem na mesma intensidade e nos fazem cair na toca do coelho de Alice no País das Maravilhas, abrindo um capítulo ainda mais perturbador do que o anterior.

Mannarino leva-nos a imergir num mundo invertido, com passagens secretas assustadoras, fantasmas e aranhas que ora matam ora salvam, nos fazendo lembrar da novela fantástica de terror Coraline de Neil Gaiman. Apesar de o livro ser muito bem feito em escalas de cinza com intrigantes ilustrações de Esdras Gomes, as cores roubam as cenas e estão por todo lugar. São descritas com intensidade e têm vida, explodem, brilham e amedrontam, chamam a atenção até mesmo do leitor mais desatento e por isto têm protagonismo tão intenso quanto os personagens principais.

Em diversos momentos a história tira nosso fôlego com a descrição do que parece com um dia difícil em nossas vidas; quantas vezes nos sentimos presos ou com falta de ar diante de uma situação ou de um alguém? Quantas vezes tivemos medo de abrir os olhos e enxergar o que estava diante de nós? Olívia não soube o que fazer. Ficou imóvel, olhando a mulher desmaiada no chão, a poça de sangue crescendo, se espalhando pelo convés, banhando seu cabelo de um vermelho ainda mais intenso. (p.227)

Não virar a próxima página parece uma missão impossível diante de tanto suspense. A riqueza de detalhes fascinantes nos fazem sentir pelo menos um terço do sufoco que a personagem se encontra, nos move adiante instigando a nossa imaginação. Desta forma, Olívia parece encontrar uma passagem secreta para desvendar ela mesma. Um livro que é uma leitura é recomendável para todas as idades; um livro excelente para desenvolver projetos de leitura em sala de aula.

Referência
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MANNARINO, Umberto. Das cinzas de Onira. São Paulo: Outro Planeta, 2019. 256p.
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Curiosos? Assistam ao vídeo https://www.youtube.com/watch?v=oVefkXYQGa4

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