DIVÓRCIO; O AMOR É UM ROMANCE E UM TRAUMA. Divórcio - Ricardo Lisias
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LÍSIAS, Ricardo. Divórcio. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. 237 p.
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“A gente vive a morte acordado.” (p. 7)
“Se houver algo de muito positivo na redação do livro, é a consciência de que preciso começar do zero. Tenho uma pele nova. Partir do nada e construir algo inédito é o que os escritores fazem.” (p. 210)
“Para terminar uma corrida mais longa, como um romance, é preciso deixar algumas coisas de lado: o ideal é mascará-las, para que nada impeça o ponto final.” ( p. 211)
O que você faria se, procurando uma conta para pagar, encontrasse o diário de seu marido ou de sua esposa dentro da gaveta? Você leria para saber o que tanto ele ou ela ali confessam ou não seria capaz de tamanha invasão de privacidade? Ricardo Lísias, personagem do romance de Ricardo Lísias, resolveu não só ler, como divulgar por meio de seu livro o conteúdo do diário de sua ex-mulher.
A comparação da atividade de escritor/romancista com as corridas de longa distância dá a tônica no romance Divórcio. Nascido em São Paulo em 1975, o escritor, que cursou Letras na UNICAMP, é visto como representante de um gênero literário conhecido como autoficção. O termo foi cunhado em 1977 por Serge Doubrovsky para se referir a uma forma de autobiografia ficcional.
Divórcio é dividido em 15 capítulos, tal qual a corrida de São Silvestre tem 15 km. O personagem do romance participa da corrida em 2011, poucos meses depois de um divórcio traumático. A cada quilômetro percorrido, um momento ou lembrança dolorosa vai ficando para trás. Para construir uma narrativa longa, assim como para correr a São Silvestre, é preciso fôlego, treino, empenho e disciplina. “Virei corredor porque, além da insônia, o divórcio me deixou com a respiração muito irregular. Foi também a maneira que encontrei para achar uma rotina e retomar o equilíbrio.” (p. 16)
Além da metáfora da corrida de longa distância, Lísias também faz uma analogia com a perda da pele e a falta de ar, metaforizando a morte e o renascimento. A leitura do diário de sua ex-mulher revelou-se uma tortura. Ali, ela dizia que não o amava, que ele não tinha vivido, que era patético e quase um autista, e revela uma traição. “Percebi, enquanto andava, que minha pele estava se descolando do resto do corpo. Olhei ao redor e não vi ninguém. A sensação é horrível: não consigo segurar minha pele, mesmo me abraçando. Quando finalmente cheguei à escada do metrô, eu estava em carne viva.” (p. 29).
Para a personagem Lísias, escrever é renascer aos poucos, é curar o mal-estar da existência. Para o autor Ricardo Lísias isso também pode ser verdade, visto que O céu dos suicidas, outro de seus romances, ficcionaliza o suicídio de um amigo dos tempos da faculdade. Escrever também é rememorar e enlutar aquilo que aconteceu.
Os três últimos capítulos ou quilômetros são dedicados a uma espécie de resenha crítica do próprio livro. Neles, o escritor/personagem comenta os problemas do romance e celebra os acertos. Diz até pensar em corrigir os defeitos, mas muda de ideia pois são, afinal de contas, “momentos representativos de uma trajetória” (p. 213).
No Quilômetro quatorze – quem ficou louco uma vez está mais perto da segunda diz que a ex-mulher é uma personagem e que a única pessoa real exposta no livro é ele. Apenas escolheu esta narrativa porque não tinha a possibilidade de pensar em outra, uma vez que estava tomado por este trauma.
Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo na época do lançamento do romance, ao responder uma pergunta sobre medo de retaliação, Lísias disse: “Não consigo compreender como isso seja possível. Se alguém se identificar com alguma personagem do meu livro, estará se colocando na pele de uma personagem de ficção. Não posso controlar a atitude de um leitor diante de um texto. Acredito na liberdade dos textos, dos escritores e dos leitores” (retirado de https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,na-ficcao-as-estribeiras-perdidas-do-amor,1059991 acessado em 02/11/2018).
No entanto, se retomamos uma frase do começo do livro, a dúvida fica no ar: “ACONTECEU NÃO É FICÇÃO” (p. 16).
Divórcio revela, pelo menos para mim, um escritor para se acompanhar de perto e impressiona pela sua ousadia. Recomendo a leitura!
Para saber mais:
file:///C:/Users/User/Downloads/46790-Texto%20do%20artigo-56256-1-10-20121115.pdf


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