O MEDO CEGA. Ensaio sobre a cegueira - José Saramago
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SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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Ensaio Sobre a Cegueira é um romance de José Saramago, escrito em 1995, três anos antes de o autor receber o prêmio Nobel de Literatura. José Saramago, em uma entrevista, expôs: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é necessário termos coragem para o reconhecer”.
Na obra, narrada em terceira pessoa, o autor produz uma narrativa descomplicada, mesclando o discurso direto com o indireto, dispensando recursos como parágrafo, travessão e aspas. O discurso direto fica entre vírgulas e, para não confundir muito o leitor, o autor usa letras maiúsculas para diferenciá-lo do indireto. A consequência são frases muito longas, que se transformam numa escrita complexa e que, inicialmente, até pode parecer difícil, mas a dificuldade desaparece com o transcorrer da leitura.
Outro aspecto do livro é que os personagens não são reconhecidos por nomes, mas sim por suas profissões, por uma característica física ou comportamental.
O livro conta a história de uma epidemia de cegueira branca que se alastra por uma cidade e vai acometendo um por um, levando-os ao caos e assombrando uma sociedade desenvolvida.
A história tem início com o relato de um homem dentro de seu carro em um sinal de trânsito, ao mesmo tempo em que espera o sinal verde de uma sinaleira, subitamente uma nuvem branca começa a cobrir toda sua visão. Assustado, ele começa a gritar que está cego e o caos se inicia no trânsito parado, porque ninguém entendia o que estava ocorrendo.
Procurando esclarecer o problema de sua cegueira repentina, o primeiro cego, acompanhado de sua esposa, procura por um médico oftalmologista em busca de uma solução. Depois de ser examinado pelo médico, que não encontra nenhuma lesão nos olhos e sem resposta para o mal que o atinge, o motorista retorna à sua casa.
Após a consulta, o médico também é afetado pela cegueira branca. Dessa maneira a epidemia começa a se propagar por toda a cidade. Além do médico, os pacientes que estavam no consultório também foram afetados.
A cegueira se vertia igual a um vírus descontrolado que afetava qualquer pessoa, independentemente de idade, sexo, raça ou classe social. A única pessoa que não foi contaminada pela doença foi a mulher do médico oftalmologista que atendeu o motorista.
Com a propagação da epidemia, o governo determina que todos os afetados pelo mal sejam colocados em quarentena, com poucos recursos, em um prédio de manicômio abandonado, cercado pelo exército que os impedia de sair.
A cada dia que se passava, mais pessoas eram encaminhadas para o antigo prédio, provocando um caos cada vez maior. Neste lugar, os cegos começaram passar por diversas condições consideradas subumanas, vivendo como bichos - aqui o instinto vai se sobrepor à razão e à dignidade humana.
Tentando se salvar da situação, o primeiro cego, sua mulher, o médico e sua mulher, um velho, uma rapariga se organizaram para tentarem resistir naquele ambiente em que as pessoas se tornavam irracionais.
No desenrolar da história, várias são as adversidades e os conflitos que o grupo atravessa, muitos morrem, mas é com o incêndio do prédio que eles resolvem sair e enfrentar o exército. Do contrário, morreriam pelas chamas ou pelos tiros dos soldados, mas, ao escaparem, foram informados pela a mulher do médico - a única que ainda enxergava - que lá fora não mais estava o exército vigiando.
Ao saírem, descobrem que o mundo todo havia ficado cego e que a selvageria tinha tomado conta da humanidade; os moradores que tiveram suas casas saqueadas foram obrigados a viver como nômades. O grupo, com a ajuda da mulher do médico, se propõe a procurar suas casas e a única não invadida foi a do médico. E assim foram viver lá fora. Neste momento, a mulher do médico contou que conseguia ver, e os orientou, buscou alimento e voltou com um cachorro.
A procura por água e alimento se torna o motivo de sobrevivência de toda a população e o pequeno grupo que seguimos sofre por suportar e resistir aos problemas. O grupo tenta conservar um pouco da civilidade através de hábitos simples como um banho de chuva ou um jantar sentado à mesa.
Da mesma forma que cegueira branca atingiu a população, ela repentinamente desapareceu. E aos poucos, durante a noite a cidade, o país voltou a ver. A mulher do médico talvez fosse a única que manteve a capacidade de ver. Mas para ela, eles sempre haviam visto, mas sem enxergar de verdade.
Ensaio Sobre a Cegueira é um livro fascinante e envolvente; o conteúdo prende do início ao fim e proporciona uma leitura viciante e às vezes angustiante; o tom irônico é aplicado com excelência.
A trama é narrada como uma obra realista, tal qual ocorre em dias atuais com o Coronavírus no mundo; portanto, uma obra que gera identificação imediata e uma oportuna reflexão. Difícil não se colocar no lugar dos personagens e não repensar sobre a essência violenta do ser humano quando colocado em situações limites.
Uma bela história, crua e desafiadora pela profundidade do significado, mergulhando fundo no sentimento humano e na loucura da necessidade de sobreviver, fazendo-nos refletir sobre a existência humana.


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