OUTROS CANTOS. Maria Valéria Rezende
Tais Moura
REZENDE, Maria Valéria. Outros cantos. São Paulo: Ed. Alfaguara Brasil, 2016. 152 p.
Outros Cantos é uma obra memorável, cuja autora, Maria Valéria Rezende, tece uma narrativa de suas andanças por muitas paisagens, do encontro com muitas pessoas e de culturas, entrelaçando os tempos passado e presente.
Embarcada numa nova viagem para o sertão, Maria, durante o seu trajeto no ônibus, relembra como foi sua primeira passagem por esse território. A autora narra sua experiência de vida quando, há quarenta anos atrás, fora trabalhar como professora num pequeno povoado chamado Olho d`Água.
Assim, os detalhes dos passageiros do ônibus, risadas, gestos, perfumes, malas de couro... cada balanço das rodas, cada paisagem da janela movimentam os sonhos de Maria e a transportam para o seu primeiro encontro com o sertão, ou, como ela própria diz, daquele meu outro sertão.
Foi em Olho d`Água que ela fez amizades verdadeiras como aquela com Fátima, que lhe mostrou como a mulher sertaneja é forte, vibrante e que luta para cuidar da família, dos filhos. Foi Fátima que lhe ensinou tudo, não tudo o que se sabia, mas tudo que se podia aprender sobre o valor do trabalho, da partilha e da esperança.
Enquanto aguardou de janeiro a março, até um vereador providenciar a escola prometida para Maria trabalhar, ela aprendeu muitas coisas nesse cantinho especial do sertão, um canto de mundo sem fios e lâmpadas elétricas, mas que se acendia por uma multidão de estrelas. Aos poucos, conforme se aclimatou com o cotidiano sertanejo, conheceu novas danças, versos e cantorias. Entre todas as coisas que viu e ouviu, aprendeu sobre a fé e o valor da educação.
Nesse contexto, ainda que Maria reconhecesse que as pessoas de Olho d`Água vivenciavam algumas situações de opressão, ou seja, que eram oprimidas diante do pouco que tinham para sobreviver, foi durante as novenas religiosas e partilhando do cotidiano do povoado que aprendeu a respeitar o valor das crenças deles, de seus costumes e, por isso, aceitou dar aulas não só para os adultos, cargo no qual estava designada, mas também para as crianças, pois para aquelas famílias a possibilidade de um futuro melhor estava projetada na nova geração.
Maria achava que tinha ido ao povoado só para ensinar os adultos, mas aprendeu muito mais do que podia imaginar. Então, durante sua viagem no ônibus, entre paradas bruscas e recordações, ela se mostra não menos esperançosa do que da primeira viagem. Agora, mais calma, consegue olhar de forma profunda para as pessoas, com aspirações mais modestas e de forma mais paciente.
São por esses e muitos outros motivos que a leitura deste livro se mostra tão interessante. Uma obra que faz o leitor perceber que o valor da vida se tece nas relações humanas, nas amizades, naquilo que valorizamos enquanto instrumento transformador, como a educação, a aprendizagem do ato de ler e escrever. Contudo, ainda que se trate de uma paisagem seca, áspera e espinhosa como a do sertão, na narrativa fica evidente que os sonhos e a esperança devem sempre ser passageiros cativos nessa viagem que é viver.
Em suma, deixo um convite para quem queira saborear uma leitura que possivelmente pulsará suas memórias e suas atitudes em qualquer canto/cantos que esteja.
Comentário crítico elaborado por Taís Moura



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