POR ENTRE LINHAS, TECIDOS E CHADRES. A costureira de Khair Khana - Gayle Tzemach Lemmon

 LEMMON, Gayle Tzemach. A costureira de Khair Khana. Tradução: Carmem Fischer. São Paulo: Seoman, 2013. Disponível em: https://www.tocalivros.com/buscar?q=a%20costureira%20de%20khair%20khana

Nelivaldo Santana


            Em 1.996, o regime talibã se valeu das guerras entre os mujahidins para ocupar a capital do Afeganistão, Cabul. Entre todas as restrições que o regime impôs à população, a mão mais pesada obrigou que as mulheres cabulenses usassem burca, assim denominado em diferentes regiões do Oriente Médio; em Cabul, na língua Dari é chamado de chadre. Esse acessório da indumentária feminina cabulense se tornou o símbolo da perseguição à liberdade das mulheres. A obra “A Costureira de Khair Khana”, de Gayle Tzemach Lemmon, na voz doce de Stella Tobar, desenha a simbologia cultural, religiosa e militar entorno do chadre e do cerceamento da mulher cabulense.

Fonte: https://medium.com/dp-feminista/feminismo-islãmico

Andar sem chadre para uma mulher cabulense passou a ser uma sentença de castigos ou morte: quando foi levar o filho ao médico, Málika (irmã mais velha de Kamila Sidiqi) viu os fanáticos do  regime talibã desferirem uma chuva de golpes com uma varadas de pau numa mulher de corpo franzino flagrada sem o chadre. Ela contorcia, entre gritos e gemidos, cada vez que os golpes brandiam na epiderme, fazendo a dor mergulhar em seu corpo. As outras mulheres olhavam assustadas, outras saíram correndo para que também não fossem vítimas daqueles homens que consideram obscenas, pervertidas as mulheres que não usam chadre.

Com o novo regime no poder, as cabulenses foram proibidas de frequentar os bancos da na escola formal ou mesmo ler qualquer livro em público; somente aos homens era concedido esse desfrute livresco. Nessa mesma época, Kamila Sadiqi, a personagem central da narrativa, concluiu o Curso de Formação de Professores - ela acalentava o sonho de ministrar aulas na escola secundária de Kahir Khana, distrito de Cabul, mas as novas regras da política administrativa também proibiam que as mulheres trabalhassem foram de suas casas. O totalitarismo do talibã ceifava direitos civis e arrastava a capital Cabul par um mar de miséria, onde faltavam itens básicos para a alimentação.

Diante desse cenário, Kamila Sidiqi decide aprender com a irmã Málika a técnica de corte e costura. As primeiras peças são confeccionadas por Kamila e suas irmãs. O desafio maior não foi tanto aprender a técnica, mas negociar com os comerciantes: o regime talibã estabeleceu que as mulheres não poderiam realizar negócios comerciais; caso algum comerciante fosse flagrado fazendo negócios com mulheres, ambos seriam duramente castigados nos cubículos das prisões. Para vender às pessoas, Kamila Sidiqi passou a se chamar “Hóia” e andava sempre em companhia de seu Aramu, seu irmão caçula. Uma mulher “decente” jamais poderia andar pelas ruas de Cabul, à época do regime talibã, sem a companhia do marido ou de um Aramu. Quando foi realizar sua primeira venda, em companhia de Aramu, Kamila observou que havia menos gente nas ruas que o habitual - parecia haver um olho em cada esquina ou dependurado em cada poste que cruzava. Seu medo e ansiedade eram tantos que ela sentia e escutava as batidas aceleradas de seu coração por debaixo de seu chadre. As ruas de Cabul tornaram-se ameaças para as mulheres, pensava Kamila toda vez que saía  de casa.

Fonte: https://www.tocalivros.com/…/a-costureira-de-khair-khana-ga… 
Muitas mulheres sem poder sair de casa passavam os dias inteiros dentro de casa, nãopodiam sequer ir ao supermercado para comprar gêneros alimentícios aos seus filhos. Aquelas mulheres reinventaram seus modos de vida social, de trabalho e de consumo para sobreviver ao regime: muitas delas passaram a trocar livros entre si ou realizar reuniões clandestinas para ler ou para debater o que acontecia do lado de fora de suas casas nas ruas de Cabul.

Por entre as clandestinidades, Kamila abriu uma escola para ensinar a outras mulheres a costurar e ao mesmo tempo trabalhar nas suas casas ou na casa da família Sidiqi na produção de mais peças de roupas que a cada dia aumentava. Com sua iniciativa, Kamila oportunizou que inúmeras mulheres pudessem ajudar na economia doméstica durante o regime talibã, garantindo assim a possibilidade de as famílias desfrutar de mais de uma refeição por dia. O caso de Kamila Sidiqi virou exemplo para vários programa de implementação de pequenas rendas nas ações da Organização das Nações Unidas ( ONU) em várias parte do mundo.

Dado o traço empreendedor que a narrativa alinhava, muitos leitores dirão logo de cara que se trata de uma obra voltada para o empreendedorismo. Para além dessa dimensão, a obra é a história de mulheres que demonstram suas capacidades de organização, em sua múltipla dimensão, durante um período da história do Afeganistão em os direitos femininos são arrastados para dentro dos cômodos domésticos e para debaixo dos chadres. Caro leitor, vá à obra e ande pelas rua e casas de Cabul sentindo o cheiro de um regime totalitário, sobretudo para as mulheres.


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