TERROR E CIÊNCIA. Demônios - Aluisio Azevedo (audiolivro)
AZEVEDO, Aluisio. Demônios. Leitor: Rogério Maciel. Librivox, s/d. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000025.pdf. Acesso em: 27 dezembro 2020.
Alberto Fernando Gil Dias
Publicado pela primeira vez na forma de folhetim, entre 1º e 11 de janeiro de 1891, no jornal carioca Gazeta de Notícias, o conto Demônios é a narrativa fantástica feita por um jovem escritor que, uma noite em seu quarto de pensão no Rio de Janeiro, acorda e vê que a noite não passara e que havia uma escuridão total na cidade. Ao sair de seu quarto, depara-se com uma sucessão de cadáveres, tanto na casa quanto na rua para a qual saíra decidido a encontrar Laura, sua jovem noiva. A partir daí, somos levados para uma cidade pós apocalíptica, com mortos e lama por todos os lados.
O enredo acima poderia facilmente ser atribuído a um escritor romântico da geração do “mal do século” ou então, saltando décadas, algum autor neogótico devoto de Stephen King e Neil Gaiman. É aqui que surge a surpresa: o conto é de autoria de Aluisio Azevedo, talvez a principal referência brasileira da escola naturalista, cuja bandeira eram a objetividade crítica e o cientificismo, e que surgiu justamente como oposição ao Romantismo e todas as suas vertentes (inclusive o gótico) por considerá-las mera fuga da realidade. No entanto, a história de Demônios apresenta-se como uma simbiose entre a ambientação gótica e traços da linguagem naturalista.
A aproximação de Azevedo do universo da literatura fantástica (em especial no conto Demônios) é objeto de análise no artigo “Do Naturalismo ao gótico: as três versões de ‘Demônios’, de Aluisio Azevedo”, escrito a quatro mãos pelo professor Julio França, da UFRJ, e sua orientanda Marina Sena (Do Naturalismo ao Gótico: as três versões de Demônios, de Aluísio Azevedo. Soletras, Rio de Janeiro, nº27, p.95-111, jan-jun 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/soletras/article/view/12998. Acesso em: 26 dezembro 2020). Nesse artigo lemos que Azevedo permitia-se absorver algumas fórmulas do romance de folhetim, popularizado pelos românticos:
(...) o autor defende que o romance brasileiro deveria sim fazer um retrato da realidade, mas que o caminho para acostumar o leitor a este tipo de romance era aliar, nos folhetins, o romantismo ao naturalismo, diminuindo gradativamente as doses do primeiro até que o leitor se habituasse ao romance puramente naturalista (FRANÇA & SENA, 2014, p.96).
É justamente esse movimento de diminuição que vemos em Demônios: a narrativa avança de um viés subjetivo, calcado na desorientação do narrador-personagem diante do que vê, revestindo-se de observações quase que documentais do ambiente de degradação e morte pelo qual atravessa, centrada em suas percepções, em uma linguagem muito próxima do impressionismo de O Ateneu, do também naturalista Raul Pompeia.
Outro elemento que serve de ponte entre o gótico e o naturalismo em Demônios é a tensão sexual, a qual explode em instinto animal no processo de “involução” sofrido pelo narrador e sua noiva:
Laura atirava-se contra mim, numa carícia selvagem e pletórica, apanhando-me a boca com os seus lábios fortes de mulher irracional e estreitando-se comigo sensualmente, a morder-me os ombros e os braços. (AZEVEDO, s/d, p.18)
A história pode agradar àqueles que apreciam um bom enredo de suspense, com pitadas de Romantismo à moda de um Álvares de Azevedo, porém já apontando para o romance moderno, ao mergulhar na psicologia da personagem e diluir o tempo e espaço no universo interior daquela. Vale também pela ótima leitura de Rogério Maciel, cuja voz traduz muito bem os estados de espírito do protagonista. Aliás, ter o suporte da voz, no caso desta novela, em especial, potencializou seu enredo, ao reforçar por meio da voz as nuances da história.
Justamente por isso, é também uma boa “porta de entrada” aos leitores como eu, inexperientes no universo dos audiolivros. A estrutura de folhetim da história (dividida em pequenos capítulos), deixando um mote de suspense para o capítulo seguinte, funciona muito bem no formato de audiolivro, de modo que a leitura/audição pode manter-se fluindo sem dificuldade.
Referências
AZEVEDO, Aluisio. Demônios. Leitor: Rogério Maciel. Librivox, s/d.
_________. Demônios. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000025.pdf. Acesso em 27 dezembro 2020
FRANÇA, Julio; SENA, Marina. Do Naturalismo ao Gótico: as três versões de “Demônios”, de Aluísio Azevedo. Soletras, Rio de Janeiro, nº27, p.95-111, jan-jun 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/soletras/article/view/12998. Acesso em 26 dezembro 2020



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