TRÊS "BRASIS" EM UM SÓ BRASIL. Brasyl - Ian McDonald
TRÊS "BRASIS" EM UM SÓ BRASIL
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MCDONALD, Ian. Brasyl. Rio de Janeiro: Saída de Emergência, 2015. 416p.
________________________________________________________________José Fernandes Castigo
Mestrando em Educação, Faculdade de Educação - Unicamp
Ian McDonald nasceu na Inglaterra em 1960. Filho de mãe irlandesa e pai escocês, vive atualmente no centro de Belfast, Irlanda. É um dos mais politizados escritores de ficção científica da atualidade. Seus temas vão desde nanotecnologia, passando por configurações cyberpunk até o impacto de rápidas mudanças sociais e tecnológicas em sociedades não ocidentais. Ao longo da sua carreira, iniciada na década de 1980, foi premiado diversas vezes. Em 2007, com o romance Brasyl, foi vencedor do British Science Fiction Association, na categoria de melhor romance. Romance este traduzido para o português brasileiro por Fábio Fernandes, e publicado pela editora Saída de Emergência, no ano 2015. E é desse romance que vamos falar.
É um romance de ficção científica, lançado em 2007. Na capa (s) constata-se logo uma escrita diferente da palavra "Brasil" e duas versões antagônicas de Rio Janeiro, a primeira, com uma visão futurista da Cidade Maravilhosa, composta maioritariamente por prédios supermodernos (aranhas céus) e cheios de luzes e brilho e a outra com aspecto sombrio, passado. O autor mistura mundo de celebridades, física quântica, história da escravidão no Brasil, o fanatismo religioso, cultura brasileira, política e lendas indígenas com os elementos de fantasia e ficção científica, retratando a realidade brasileira, em três tempos, três lugares, através de três histórias diferentes e igual número de personagens protagonistas, que em algum momento do romance convergem. O narrador conta essas histórias paralelamente, estruturando de um jeito peculiar. Elas são apresentadas através de títulos que representam ou se relacionam de alguma forma com a cultura religiosa brasileira. Por sua vez, esses capítulos trazem histórias de cada um dos personagens, que vão se alternando, mantendo sempre a mesma ordem: primeira história de Marcelina Hoffman, segunda de Edson Jesus Oliveira de Freitas e, terceira e última de Padre Luis Quinn.
A primeira decorre na Cidade de Rio de Janeiro, no ano de 2006, ano de mais uma Copa do Mundo. A protagonista é uma produtora de reality show de TV do Canal Quatro, residente na zona sul, que curte algumas drogas em encontros casuais e cujo hobby é capoeira. É uma garota que ama festas, é esperta, ambiciosa e sem limites morais, que para alcançar sucesso e “bater” a concorrência entre os canais, por sinal acirrada e também, manter-se num bom cargo na emissora, vai ter uma ideia louca de criar um programa, onde vai colocar o goleiro mais odiado da seleção brasileira de futebol, na Copa do Mundo de 1950, Moacir Barbosa sob julgamento popular em rede nacional. É na tentativa de descobrir o paradeiro de Barbosa que sua vida se torna um autêntico pesadelo, pois acaba se envolvendo no mundo além do futebolístico.
Nos anos de 2032 e 2033 decorre a segunda história, que tem Edson Jesus Oliveira de Freitas como personagem protagonista. Ele vive em uma das favelas da Cidade de São Paulo e seu sonha é deixar a vida pobre que leva, e morar em uma casa a beira mar. É um jovem empresário de celebridades em busca de sucesso. Leva uma vida dupla, muito atribulada e até mesmo esquisita. Durante o dia é empresário, a noite é travesti, aos finais de semana é super-herói, e mantém uma relação amorosa escondida com Sr. Pêssego. A sua vida muda quando conhece uma mulher, Fia, que é membro de uma gangue ligada a computação quântica ilegal. Ele se apaixona perdidamente por essa mulher e dai em diante se vê perdido em realidades paralelas, e para escapar desse mundo perigoso de gangue de quantumeiros vai ter que fugir para salvar a própria pele.
A terceira história, decorre no século XVIII, Brasil colonial, precisamente nos anos 1732 e 1733, nas profundezas da Floresta Amazônica. O personagem protagonista é um Padre irlandês, Luis Quinn, que pertence a Ordem religiosa Jesuíta, que vem ao Brasil em uma missão, busca de Padre que tenta estabelecer um império.
“ – Eles têm Padre Quinn, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu lhe dou a seguinte missão: prosseguir o mais rápido possível de navio até Belém do Pará e depois pelo Amazonas até São José Tarumãs no Rio Negro, onde, como admonitor da sociedade, o senhor haverá de localizar o padre Diego Goncalves e restaura-lo à disciplina da Ordem.” (p. 53).
O romance começa com a narração de uma cena cinematográfica, em que o narrador, heterodiegético faz uma descrição urbana, pormenorizada, retratando a realidade da cidade maravilhosa. Para encaixar a ação da Marcelina, que queria transformar os factos num reality show, o narrador usa um procedimento diferente, misturando um pouco de jornalismo com a narração, o que acaba contribuindo de certo modo para o desenvolvimento da diegese e sua verossimilhança.
O narrador descreve a crueldade vivida no Brasil colonial.
"escravos negros esculpidos e pintados cortando cana... Deus não permita que esta praga de animais de carga atravesse o oceano até a França. Nem um dia se passa em que em que não em que não sejamos ultrapassados por flotilhas de jangadas amarradas umas às outras, carregadas até a linha de água com escravos amarrados: homens, mulheres, crianças todos nus como Adão e Eva, inocentes (p. 49-131)".
Dos fragmentos textuais aqui expostos podemos inferir que estamos diante de um narrador omnisciente, pois presencia ou sabe de todos os acontecimentos e personagens, descrevendo-os com muita emoção, colocando o leitor em contacto direto com os factos. Em relação à linguagem, de uma forma geral constata-se um vocabulário formal que comprova que tanto ele quanto os personagens possuem o mesmo nível na utilização de palavra. O narrador recorre a discursos direto, indireto e indireto livre e recursos estilísticos para marcar as falas ou externar o interior dos personagens. No discurso direto nota-se algumas marcas de linguagem coloquial.
Apesar de narrar três histórias diferentes, vividas no Brasil, em épocas distintas, século XXI (2006 e 2032-2033) e século XVIII (1732-1733), todos os elementos que o compõem estão devidamente alinhavados para que a trama tenha coerência. Este é um dos grandes feitos do autor. Os três personagens, vivendo em épocas, tempos e lugares diferentes acabam se envolvendo em um novo universo pela mesma causa – suas escolhas. A narrativa aberta, apresenta infinitas versões de Brasil, onde um universo pode afetar o outro e uma pessoa pode passar de um universo para outro, trazendo muito suspense.
Estamos diante de três "brasis" que se transforma num só, através do tempo e dos universos interligados pela física quântica. Mais uma prova de que somos o produto das nossas escolhas e que podemos unir o passado, presente e o futuro em um só, e essa é magia da vida. Percebemos que vivemos várias vezes e em cada renascer há um erro que cometemos, alguma coisa imperfeita, mas isto não nos leva a desistir, pois somente a cada acordar veremos um amanhecer.
De princípio a leitura é muito confusa e pode entediar alguns leitores menos experientes, porém com o desenrolar das peripécias descobre-se o quão o romance é emocionante e super interessante. Daí que se recomenda a sua leitura.




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