UMA NOITE SEM FIM. Havana: em busca da noite perfeita - Aluísio Azevedo Júnior (audiolivro)

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AZEVEDO JÚNIOR, Aluísio. Havana: em busca da noite perfeita. Narração: Marcos Breda. São Paulo: Livro Falante, 2020. Audiolivro (2h48m12s, 39.34 MG). Nota: primeira edição da versão impressa foi publicada em 2015 pela CJA Edições. 
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Simone Lucas Gonçalves de Oliveira

 


Havana: em busca da noite perfeita é uma narrativa poética sobre a vida-uma reflexão cheia de nostalgia que recupera o passado na busca da compreensão do presente.

“Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las! Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas! Mário Quintana - Das utopias

Bah inicia a sua jornada montado numa bicicleta, acompanhado de sua filha Pietra, uma garotinha de apenas oito anos de idade. A jornada segue por Havana, uma terra na qual não nasceu, mas que o teve por filho e ele a ela por pátria. Terra de gente boa e alegre, de cultura rica e colorida, de hábitos e costumes que fazem com que seja peculiar dentre as outras terras, Havana também tem assombros escondidos nos subterrâneos, mas, ainda assim, é o único lugar onde se encontra a noite perfeita. Desenhos geográficos, selva assombrada e traiçoeira, silêncio, descida da vida, novas dores do corpo e velhas dores da alma, encantos perdidos, amores não vividos, rompantes, vão tecendo o cenário de uma jornada imaginária. Pietra, a pequena espectadora, acompanha tudo cheia de energia, mas não demonstra inquietação ou compreensão sobre o que se passa.

“As vezes dá preguiça na areia movediça | Quanto mais eu mexo mais afundo em mim | Eu moro num cenário do lado imaginário | Eu entro e saio sempre quando tô afim!” Dudu Falcão - Coisas que eu sei

É preciso compreender a finitude do tempo, não desistir da jornada, buscar o passado para ser surpreendido e redescoberto pela memória. Pietra, muito jovem, ainda não compreende a desilusão e a efemeridade da vida.

“Sorris-te – amigo. Que importa! Ninguém sabe entregar nas mãos o que se esconde dentro, mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares, e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...” Pablo Neruda - Amigo.

A nostalgia envolve lembranças da hospitalidade de Havana, dos laços fraternos e cúmplices de amizades, do sistema associativista e cooperativista de um povo socialmente organizado, das ilusões do tempo de mocidade. Nessa etapa da jornada a Candice, cachorra de estimação, está junto de Pietra e Bah. Pietra segue calada enquanto Candice, desinteressada, se lambe toda. Bah reencontra um caro amigo, Amin, que também o acompanha na jornada noite adentro.

"Havia um tempo em que eu vivia | Um sentimento quase infantil | Havia o medo e a timidez | Todo um lado que você nunca viu"  Paulo Ricardo - A Cruz e a Espada

O desejo de voltar para casa é ardente, voltar para Marie a mulher amada, a paixão de uma vida inteira cujos descuidos o tempo não perdoou. A fuga é o desejo de estar em casa, viver o amor que deixou desperdiçar... Lembranças das musas que a vida também lhes fez escapar. Melancolia! A cumplicidade de Pietra e o ombro amigo de Amin são presentes.

"Em verdade temos medo. Nascemos escuro. As existências são poucas: Carteiro, ditador, soldado. Nosso destino, incompleto. E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios vadeamos." Carlos Drummond de Andrade - O medo

Bah segue jornada contando com a solidariedade e cumplicidade do amigo Amin que, no momento de despedida, resolveu retomar o caminho. Pessoas alegres sem motivo, acontecimentos inesperados, confrontos com fantasmas e assombros do passado compõem o enredo. Pietra também os acompanha, atenciosa espectadora, de olhar enigmático.

"Meu Deus, por que me abandonaste | Se sabias que eu não era Deus | Se sabias que eu era fraco | Mundo mundo vasto mundo | Se eu me chamasse Raimundo | Seria uma rima, não seria uma solução | Mundo mundo vasto mundo | Mais vasto é meu coração" Carlos Drummond de Andrade - O poema de sete faces

Um retrocesso na jornada faz com que tenham que voltar à feira de beira da estrada. Uma cartomante insiste em ler a mão de Bah que, não conseguindo se desvencilhar dela, acaba cedendo. A mulher, chocada por não encontrar a linha da vida na mão de Bah, entra em transe e Bah, assustado e apavorado, tem uma experiência sobrenatural. Sem Pietra, sem Amin.

"Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, não sei, não sei. Não sei se fico ou passo." Cecília Meireles - O motivo

Uma pausa. Arrependimentos. Chama de esperança.

"Seus olhos e seus olhares | Milhares de tentações | Meninas são tão mulheres | Seus truques e confusões | Se espalham pelos pêlos, boca e cabelo | Peitos e poses e apelos | Me agarram pelas pernas, certas mulheres | Como você, me levam sempre onde querem." Leoni - Garotos II (O Outro Lado)

Ainda peregrino na aventura noturna, com Pietra exausta e adormecida, Bah decide dar-se a uma aventura secreta. Numa cabine onde havia um baile pede para tocar uma música e decide escolher uma musa para dançar. Frustração, tentação, aventura, constrangimento, arrependimento, culpa e redenção povoaram a noite de Bah. Resolve não desistir e pensa no futuro como a esperança que o fará acontecer.

"Ressuscita-me | Ainda que mais não seja | Por que sou poeta | E ansiava o futuro | Ressuscita-me | Lutando contra as misérias | Do cotidiano | Ressuscita-me por isso | Ressuscita-me | Quero acabar de viver o que me cabe" Caetano Veloso, Ney Filho - O amor de Maiakóvski

Tomado por um lampejo de esperança e desejoso pelo futuro, Bah acaba sua jornada em busca da noite perfeita em Havana. Admira a ternura e a beleza de sua filha Pietra. Ouve um estalo enorme e tem tempo apenas para afastar a sua pequena do perigo, em seguida é coberto por uma avalanche de destroços. Não é nada grave, vai passar. Marie e Pietra são socorridas. Bah permanece sob os escombros. O tempo passa, Marie e Pietra retornam e junto delas Amin, o fiel amigo de Bah. Reflexos de uma vida vivida e não vivida... Partida? Justo agora que tinha tanto para viver...

 Um audiolivro arrebatador, que nos faz refletir sobre tantas coisas da vida, ao mesmo tempo em que nos conduz a perceber a efemeridade da existência. Vejo em Pietra a criança pequena que mora dentro da gente e que, mesmo diante das agruras da vida e tendo de virar gente grande, ainda assim é capaz de manter a ternura, a leveza e a esperança.

 A experiência de audição do livro foi uma oportunidade de explorar o sentido auditivo de uma forma diferente; tive de ter disciplina para não me distrair enquanto acompanhava a leitura. Era uma pessoa lendo para mim, o que foi interessante, mas, como se tratava de uma leitura extensa, às vezes foi um tanto cansativo. Gostei, insistirei na experiência, mas ainda prefiro a leitura visual. 


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