VIAJAR COM GALEANO PELA CONDUÇÃO DE PALAVRAS MOVENTES

 

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GALEANO, Eduardo. As palavras andantes. Com gravuras de J. Borges. Tradução de Eric Nepomuceno. Porto Alegre< RS: 2017. 328p.

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Ezequiel Theodoro da Silva

Faculdade de Educação, Unicamp

Tenho Eduardo Galeano como um dos maiores escritores da América Latina. Não só de histórias, mas de reflexões profundas a respeito das injustiças e opressões que vêm nos acompanhando desde o início da nossa colonização por espanhóis e portugueses. Isto significa que escolher e ler Galeano é ter a certeza absoluta de se defrontar com textos prazerosos e bem tecidos, além de iluminadores. Desde que li a obra "As veias abertas da América Latina", nos idos de 1971, tornei-me um leitor inveterado desse autor uruguaio de tantos predicados pessoais, literários e políticos. 

Em "As palavras andantes", resultado de uma parceria com o artista gravurista brasileiro José Francisco Borges, de Bezerros (PE), Galeano conta, conforme ele mesmo diz: " (...) histórias de espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei - ou fui por elas acordado" (p. 02). No meu ponto de vista, esteticamente falando, o resultado da parceria (textos/ilustrações) é uma verdadeira obra prima em termos de distribuição dos textos nas páginas, espaços de arejamento, relação textos-gravuras - temos em mãos um livro bem pensado e gostoso de ler. 

E qual o conteúdo do livro? Qual sequência obedece? Que tipo de linguagem prevalece? Difícil, ou melhor, impossível de precisar... o autor passeia daqui para lá e de lá para cá, narrando, descrevendo, versificando, reunindo histórias de diferentes fontes e experiências. Melhor mesmo seria dizer que o autor faz jus àquilo que ele afirmou ser o conteúdo, ou seja, espantos, encantos, vozes viageiras, sonhos e delírios - um conteúdo-mistura que encontra expressão em textos de diferentes formas e formatos, cada qual somando às caminhadas do escritor-andarilho.

Cada viagem-texto é uma nova surpresa e, se quiser, uma nova aprendizagem para o leitor mesmo porque "escrever o que se vive é coisa de pouca ou nenhuma graça. O desafio está em viver o que se escreve; e na sua idade já vai sendo hora de que o senhor [leitor] fique sabendo" (p. 17).  Pelas retinas do escritor, janelas são continuamente abertas por palavras que andam, resultando textos iluminadores e impactantes como este "Janela sobre as ditaduras invisíveis. A mãe abnegada exerce a ditadura da servidão. O amigo solícito exerce a ditadura do favor. A caridade exerce a ditadura da dívida. A liberdade do mercado permite que você aceite os preços que lhe são impostos. A liberdade de opinião permite que você escute aqueles que opinam em seu nome. A liberdade de eleição permite que você escolha o molho com que será devorado." (p. 61)

A paisagem a partir da qual Galeano extrai as suas histórias viageiras circunscreve vários recantos da América Latina. Nestes termos, o autor "pula" de um lugar para outro, escavando mitos ancestrais, fatos locais, notícias, reportagens, falas de personagens que conheceu nos seus deslocamentos daqui para ali. Conforme seguimos as linhas divergentes das narrativas, o nosso olhar vai percebendo implicações mil que, pelas expressões conotativas do escritor, nos fazem compreender mais densamente e poeticamente  realidades próximas e distantes. Impossível sair da fruição deste livro sem um enriquecimento da sensibilidade e da inteligência. 

Como cidadão latino americano/brasileiro que sou, esse livro-revelação de Eduardo Galeano merece ser lido por todas as pessoas que desejam renovar as suas percepções a respeito das nossas realidades enquanto povo.  Mais do que isso, pelas pessoas que desejam entender a nossa identidade latino americana e, pelo viés da história, saber mais a respeito das nossas raízes e dos problemas que vêm nos acompanhando e afligindo através dos tempos. Recomendo o livro com todos os louvores possíveis! 

Comentários

  1. Comentário maravilhoso, professor! Impossível não querer trilhar a jornada dessa narrativa em busca de nossas identidades. Com certeza essa obra entrará para a lista de minhas leituras obrigatórias.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Adorei, professor! Seu comentário me fez querer conhecer o autor, o livro e outros livros do autor!

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  4. Sensacional! Foi a minha percepção da obra pelo seu olhar, professor. Apenas pelo comentário pude atribuir mais sentidos ainda no entendimento das nossas raízes e implicações na contemporaneidade.

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  5. Adorei as aspas escolhidas, professor. São curiosas, potentes e poéticas. Pelo que entendi da resenha, trata-se de leitura obrigatória para refletirmos e entendermos nosso contexto social e o dos nossos vizinhos. Obrigada!

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  6. Muito interessante seu comentário, professor Ezequiel! Pelo que percebi, o livro nos exige uma leitura atenta, mas que será muito prazerosa.

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