O HOMEM, O AMOR E A POLÍTICA PARA VENCER OS DESAFIOS DA TERRA. Terra vermelha - Domingos Pellegrini

O homem, o amor e a política para vencer a condição da terra

PELLEGRINI, Domingos. Terra vermelha. 2ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2008. 471 p.

                                                                                      Mônica do Socorro de Jesus Chucre


“O homem apaixonado, disse o tio, é o bicho mais besta que existe.” (p.52)

“Quem defende ideias e cria leis – continuou Gomes – não precisa de arma a não ser a inteligência”.(p.302)


Terra Vermelha é um romance do escritor e jornalista Domingos Pellegrini construído a partir de um discurso narrativo entre a linha tênue do ficcional e da realidade histórica. Publicado há 23 anos e dentro de um contexto de colonização e modernização, a obra retrata a história de uma família de pioneiros que chegam desbravando a terra fértil em busca de oportunidades de trabalho e realização de sonhos. Traz o cenário da colonização de Londrina, na simbologia do casal protagonista José e Tiana, respectivamente das cidades do interior de São Paulo, Rafard e Capivari, que desbravaram as tão cobiçadas terras vermelhas do norte do Paraná do século passado.

 

Os nossos protagonistas, movidos pelo amor iniciado num canavial (porfiando quem seria o melhor) e pela persistência de luta à vida, fisgam o leitor na trama na medida em que se vão narrando o primeiro encontro, a rixa entre as famílias, o casamento, a chegada dos filhos, a terra nova, a vida política, a modernização e a nova vida outra vez permeada de revoluções, numa narrativa que entrelaça o passado e o presente, contada por um narrador, através de um discurso indireto e indireto-livre, permitindo o leitor compreender a ficção e os fatos históricos através da técnica do flashback.

Na Índia, disse, a travessia de balsa é coisa de Deus. O francês perguntou por que: o indiano apontou para frente com uma mão, a outra apontando para trás – como cada momento na vida é uma travessia uma travessia sempre única, o passado sempre ficando para trás e o futuro chegando pela frente. Mas estamos é no meio do rio, falou o motorista. ( p.179)

A história segue com o desafio da vida de casado que consumia José a cada dia, por não conseguir se firmar como coluna da família, aquele que, pela tradição sustenta o lar; e isto lhe angustiava, embotando-lhe a figura de um fracassado, após inúmeras tentativas de algum emprego ou empreendimento. Ver apenas a esposa cozinhando e vendendo doces para o sustento da casa era humilhante e dilacerador, mesmo que um dia tivesse sido exímio tropeiro e “herói” diante das necessidades para ajudar os amigos.

Ele empurrou o prato e saiu, andou na noite clara olhando os sapatos emprestados; e num bar se olhou no espelho, sem paletó nem chapéu, mais que nunca a imagem de um fracassado. (p.196)

Tiana é a companheira que apóia suas lutas e o acalma nas frustrações, e mesmo em momentos de dúvida, ela o segue e os dois chegam à terra vermelha e promissora, para agarrar a oportunidade de mudança. Nesse novo mundo, contam com os amigos que constroem sua primeira casa, e ali vislumbram a possibilidade de uma grande pensão e a descoberta de José como grande corretor.

Foi no poeirão vermelho que aprendi a enxergar não a cor nem a raça nem a condição de ninguém, porque aqui chegamos todos na mesma condição de gente procurando vida nova numa terra nova. Aqui nós aprendemos a olhar nos olhos. Vimos que o barro que atola também une. Chegamos com medo mas encontramos amigos. (p.245)

Na medida em que a pensão de Tiana e José crescia, ele começava a descobrir a corretagem. Foi nessa experiência que conseguiu ganhar, numa primeira venda de terreno, uma soma de dinheiro que nunca havia ganhado antes por tanto tempo de trabalho.

A história segue e com muito trabalho e expansão dos negócios a pensão pioneira torna-se o Hotel Pioneiro, acolhedor de pessoas de todos os cantos do mundo, conhecido pela excelente culinária e cuidado com os clientes. O casal já contava com filhos, netos, e nesse cenário junta-se a sobrevivência em meio ao mundo de transformação não apenas do lugar físico, mas da vida política.  

O romance traz a discussão de valores universais, como fraternidade, honestidade, bondade, política séria, nos quais estão por detrás dos valores dos personagens que lutam por aquilo que acreditam e defendem. Entre os desdobramentos narrativos que contam quem foram esses pioneiros, Zé e Tiana, há para o leitor o conhecimento da história que se constituía no século passado.

“Londrina vivia isolada do mundo pelo barro e pela mata” (p.434), mas também era o cenário das revoluções locais como a Guerrilha de Porecatu, e das de ordem nacional como a Intentona Comunista de 1935, além das discussões sobre reforma agrária, desmatamento, comunismo, socialismo, democracia burguesa, (des)armamento, além de outros. A própria defesa do personagem Lázaro Góis pela mata, quando ainda nem se falava de ecologistas, exemplifica a luta do homem em defesa do meio ambiente, tema tão atual e caro a nós brasileiros.

Como não trazer para leitura um tempo em que o trabalho árduo de um político existiu e não se recebia salários para isso, mas sabia que sua honra estava na luta pelo povo. Um tempo de vida que parece não ter existido, teria sido apenas criação literária, fruto de um Pellegrini, mas é história e ficção que juntam-se para delinear mais que amor e luta familiares, mais trajetória da colonização e expansão de terras no Brasil.

Visite o site abaixo e confira outros blogs coordenados por Ezequiel Theodoro da Silva

 www.ezequieloficial.com.br 



Comentários

  1. Parabéns pela resenha, Mônica. Senti a força desses personagens em busca da realização dos sonhos através do árduo trabalho. O título me fez recordar que ao prepararmos a terra para o jardim aqui em Campinas percebi que a coloração era mais avermelhada do que eu era acostumada a ver no Maranhão, assim como durante as caminhadas em espaços abertos de terra batida. A terra vermelha tem bastante ferro e assim como essa terra devemos nos fortalecer diante de tantos desafios nessa pandemia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Rosinete, a leitura te permite sentir essa força. Uma obra forte! Sejamos fortes! Lindo comentário.

      Excluir
  2. Excelente texto! Muito bem escrito. Realmente uma história inspiradora, com personagens fortes e lutadores, como é típico do nosso povo.

    ResponderExcluir
  3. Maravilhoso texto Mônica! Através do seu comentário, pude imaginar o quão fortes são os personagens apresentados nessa obra.

    ResponderExcluir
  4. Ótima resenha! Gostei da temática abordada! Foi para a minha lista!

    ResponderExcluir
  5. Excelente resenha! Com certeza essa obra agora está na minha lista de leituras.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O PODER DA PALAVRA ILIMITADA

A perversidade do racismo

Passado, presente e a ancestralidade