MODOS DE AGIR E PENSAR DE UM POVO EM CONDIÇÕES DE “CONFORMIDADE SOCIAL”. Essa gente - Chico Buarque

                                                               


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BUARQUE, Chico. Essa Gente. Companhia das Letras: Cortez, 2019. 193p.


Janaína de Souza Silva


“Como não sou machista, nem misógino, menos ainda homofóbico, não vou sair no braço com essa mulher-homem, que além de tudo é mais forte que eu”. ( p. 55)

“Percebo que nos romances nunca me preocupei em explicitar a minha cor. É curioso que, num país onde quase todo mundo é preto ou mestiço, autor nenhum escreveria ’hoje eu encontrei um branco...,’ ou ’um branco me cumprimentou..., ou “sargento Agenor é um branco bonito de presumíveis quarenta anos, se bem que os da sua raça ...’. (p. 61)



Essa Gente é o mais novo título do romance publicado no ano de 2019 por Chico Buarque. Com linguagem peculiar, ou seja, “à moda buarquiana”, o autor apresenta uma narrativa enigmática que faz com que o leitor se envolva não somente com o enredo da narrativa, mas com o pano de fundo onde a narrativa acontece.

O romance apresenta características típicas de um romance policial, com personagem escritor, falido, com problemas financeiros, familiares e amorosos, casado pela segunda vez, e infeliz.  Contudo, no decorrer da leitura  o leitor sente-se seduzido pelo modo como o autor faz uso da palavra para explorar e caracterizar o cenário - “Vendi há alguns anos o título do clube, perdi o Fúlvio de vista, e com alguma melancolia desço a ladeira até o calçadão da praia, onde o sol da manhã me pega de frente e bate nas fachadas espelhadas dos edifícios da orla” (p.12). Os gestos dos personagens: “De pijama pego meu carro na garagem, desço a ladeira de ré, encontro o passeador sentado com o cão no mesmo lugar e os faço subir no banco traseiro”. O modo como enfatiza os diálogos: “[...] você no livro é branco ou preto? – Hein? – É preto ou branco? – Boa pergunta.” (p. 61).  Apresenta as diferenças sociais: “A literatura, para mim, deveria ser unicamente fonte de deleite, pois às suas custas eu não teria como suprir sozinha as necessidades do meu filho.” (p. 12); revela o preconceito: “Como não sou machista, nem misógino, menos ainda homofóbico, não vou sair no braço com essa mulher-homem, que além de tudo é mais forte que eu”. (p. 55)

O modo como o personagem retrata o “pano de fundo” desperta no leitor a sensação de que ele entende todas as mazelas apresentadas no cenário como parte de uma “conformidade social”, ou seja,  as condições de vida e educação são representadas como regra para aqueles que estão à margem da sociedade e do sistema.   

No que concerne à estrutura da obra, esta é apresentada em forma de diário, ou pequenos episódios que abarcam a narrativa como um todo. O personagem protagonista da trama, Manoel Duarte, escritor falido, busca dar sentido à vida e inspiração para o desenvolvimento de seu trabalho.

Por fim, a narrativa apresenta-se como um convite para que o leitor leia para “além do registro escrito”. A leitura que suplanta a decodificação e aguça a percepção e os sentidos do leitor, desafiando-o a observar o que parece despercebido e ouvir as palavras que não foram ditas.  


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