Aos sete e aos quarenta: sobre ler pessoas e desconhecer a si

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CARRASCOZA, João Anzanello. Aos sete e aos quarenta. Rio de janeiro: Alfaguara, 2016. 

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Por Pamella Dória
Faculdade de Educação da Unicamp



    João Anzanello Carrascoza é considerado um dos maiores contistas brasileiros da atualidade. Após receber vários prêmios, apresenta-nos Aos sete e aos quarenta, seu primeiro romance.
A editora Alfaguara é a segunda a publicar o título, em uma versão ligeiramente mais enxuta e com um projeto gráfico menos elogiado do que foi realizado pela Cosac Naify anteriormente.  Felizmente, o texto se sustenta.
    Uma narrativa que, se do lado externo das personagens se dá sem grandes ápices, os eventos estão mais na categoria do ordinário. O enredo se constrói mesmo, com prioridade, no interior do personagem principal. O leitor se vê constantemente mergulhado no que há de mais subjetivo, tanto em relação ao personagem garoto, quanto em relação ao personagem homem.
    Quanto ao o menino, em primeira pessoa, o autor explora suas relações familiares, a descoberta de uma grande amizade, os afetos transformados por acontecimentos inesperados, o aprendizado da leitura - que não é a das letras e sim das pessoas. O tom predominantemente melancólico adquire contraste com cenas mais leves e espontâneas - o menino e o futebol de quintal, o menino e a conversa distraída à sombra da mangueira, o menino e os pássaros. O estilo de narrativa é capaz de recordar, em certos momentos, Manoel de Barros e o encontro que o poeta promove entre a infância e as “grandezas do ínfimo”.
    Quanto ao homem, a narrativa começa com a tão sonhada satisfação pessoal,  um momento em que “tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino e eu me sinto completamente feliz” - como narra Clarice Lispector sobre “A arte de ser feliz.” E, depois, os desencontros e instabilidades que permeiam a vida adulta e que o obrigam a desaprender-se de si mesmo, algumas vezes mais. A escrita para a fase adulta se dá em terceira pessoa e parece reforçar a sensação de descompasso de alguém que, assim fragmentado, já não saberia dizer ao certo sobre sua vida no presente.
    Em trechos alternados, infância e maturidade de uma mesma existência – sim, menino e homem são uma única pessoa- fica interessante refletir como, de fato, essas fases não estão linearmente uma após a outra.  Estão imbrincadas, na medida em que o menino vive experiências e adquire aprendizados que o empurram à maturidade, e que o homem não só continua a evocar esses saberes, quando, por exemplo, continua exercitando a arte de ler pessoas, como necessita retornar às memórias primeiras em busca de segurança nos momentos de turbulência.
    Um enredo que nos leva a pensar sobre os meninos e meninas que fomos e que ainda carregamos conosco. O quanto eles contribuem para a atual condução de nossas decisões, nossa forma de viver? De que forma honrar a sabedoria que, muitas vezes, cobrou caro de nossas infâncias? Quais saberes temos realmente aperfeiçoado com a maturidade? Perguntas que emergem de uma leitura podem ser refletidas sob uma perspectiva mais íntima, individual e coletiva. Em períodos de grandes instabilidades sociais, seria interessante adquirirmos maior capacidade de evocar memórias, de (re)encontrar intersecções e de conversar sensivelmente sobre nossas formas de afetos.  A simplicidade, sensibilidade e a nostalgia parecem argumentos coerentes para recomendar a leitura deste livro.




João Anzanello Carrascoza nasceu em Cravinhos (SP). è autor dos livros Caderno de um ausente, Diário das coincidências, O volume do silêncio, Aquela água toda, entre outros. Suas históras forma traduzidas para diversos idiomas. Recebeu os prêmios Jabuti, APCA (Associação Paulista do Críticos de Arte), Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, Fundação Biblioteca Nacional e os internacionais Guimarães Rosa (Radio France) e White Ravens (International Youth Library Munich).

(Texto: da edição. Imagem: divulgação do autor no facebook)

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