NÃO É PRECISO BRINCAR COM FOGO PARA SE QUEIMAR. Garotas em Chamas - C. J. Tudor

TUDOR, C. J. Garotas em chamas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021, 352 p.


por Rafael Mota (IEL/Unicamp)

Capa da edição brasileira produzida pela Intrínseca

Mais uma vez, a Intrínseca traz para os fãs de thriller psicológico uma obra da escritora inglesa C. J. Tudor, com Garotas em Chamas. Publicado no Brasil em 2021, com a tradução de Regiane Winarski, o livro vem compor a recente quadrilogia de thrillers da autora já publicada no Brasil — O homem de giz (2018), O que aconteceu com Annie (2019) e As outras pessoas (2020) — e que são sucesso entre os apaixonados por esse gênero, assim como eu. Logo de cara, esse é o melhor livro de Tudor dos quatro, pois vemos claramente a qualidade de sua maturidade enquanto escritora, o que não aparecia nas suas obras anteriores.

Quero começar pela edição. A qualidade editorial da obra segue o mesmo padrão dos outros títulos da autora publicados pela Intrínseca, só que com alguns detalhes mais caprichados. Além da capa dura e o desenho da lombada (dessa vez bonequinhas de graveto), são destaques nessa edição a capa dura na cor branca com detalhes em alto-relevo áspero e um corte na cor laranja. No miolo em papel pólen soft de cor amarelada, os capítulos são intercalados com páginas na cor preta, em que a narração ali denuncia pontos importantes da história. De modo geral, o capricho editorial da Intrínseca é um convite para a leitura do livro, tamanha é a sua preocupação em nos trazer uma tradução cuidadosamente elaborada.

O thriller traz a história da vigária Jack Brooks, que se muda com sua filha adolescente para uma cidadela no interior do país com o objetivo de substituir o vigário anterior, que cometeu suicídio dentro da igreja. Feliz por imaginar que Chapel Croft é um vilarejo sossegado, Brooks começa a perceber, porém, que o lugar esconde mais segredos do que ela mesma, quando decidiu aceitar mudar de paróquia. Um deles, revelado em conversas com os habitantes, se refere às perseguições religiosas ocorridas muitos anos atrás, em uma das quais oito moradores de Chapel Croft foram queimadas na fogueira incluindo duas menininhas que ficaram conhecidas como "garotas em chamas". Segundo os moradores, o espírito das duas meninas costuma aparecer para algumas pessoas nos arredores da igreja, o que deixa Brooks fadada a um jogo sinistro e perigoso na busca por respostas para os segredos que rondam o lugar.

Sinopse divulgada pela editora Intrínseca

Para quem já é acostumado com as obras de Tudor, sabe que a autora gosta de trazer como pano de fundo para as suas histórias algo sobrenatural misturado com um pouco de realidade. A realidade aqui recai sobre a histórias das duas menininhas, oficialmente consideradas desaparecidas há 30 anos. O ingrediente policialesco na obra amplia o suspense e faz com que o leitor, assim como eu, não desgrude da obra.

Diferentemente de seus outros títulos, Garotas em Chamas traz uma trama bem mais amarrada, cujas pontas soltas não são deixadas para serem resolvidas nas últimas páginas, mas são firmadas no decorrer da obra. Sem dar spoilers, muitos dos segredos que a protagonista carrega são resolvidos no decorrer do livro, o que nos ajuda enquanto leitores a compreender seus pensamentos e atitudes no decorrer da trama. Um destaque importante na obra, também, é a narração, composta aqui por três narradores — a própria Brooks, sua filha Flo e um homem, cuja identidade é mantida em segredo até as páginas finais. A maturidade de Tudor como escritora consegue com sucesso essas diversas vozes a partir da construção de personagens bem sólidos, cujas histórias são motim para o desenvolvimento da narrativa.

Outro ponto legal das narrativas é a falta de relação entre elas. A ideia que se tem é que vão ocorrendo coisas diferentes mesmo tempo na história, o que amplia consideravelmente o ar de mistério da trama. Além disso, há a percepção diferente do lugar e dos acontecimentos pelas duas personagens centrais, uma vez que coisas ocorrem com Flo que não são ditas para a sua mãe. Essas histórias paralelas enriquecem o valor da obra e demonstram, mais uma vez, a sensibilidade literária de Tudor em brincar com tempos e espaços narrativos. Por isso e por outros motivos — se falar mais serei tentado a dar spoilers — Garotas em Chamas — tem lugar reservado nos meus melhores títulos de thriller. Com uma escrita objetiva, sincera e bom senso de humor, suas características principais de estilo, C. J. Tudor consegue nos entregar uma verdadeira história de mistério sem cair na desgraça de deixar o leitor sem respostas no fechar das cortinas. Essa é uma qualidade que poucos escritores possuem e que Tudor soube muito bem desenvolver ao trazer para o universo ficcional seus mais mirabolantes pensamentos sobre passados, segredos, religião e vida.

Cartaz promocional divulgado a autora no Brasil

Título: Garotas em Chamas
Formato(s) de venda: livro, e-book
Tradução: Regiane Winarski
Páginas: 352
Gênero: Policial, Suspense e Mistério
Formato: 15,5 x 23 x 2,2 (capa dura)
Lançamento: 23/03/2021
Compre aqui | Leia um trecho aqui

Comentários

  1. EXCELENTE POST, bem diagramado e com texto claro e objetivo, permitindo conhecer o teor do romance - me deu vontade de ler.

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