UMA LEITURA PARA DAQUI A 20 ANOS
DONOGHUE, Emma. O Capricho das Estrelas. Tradução: Vera Ribeiro. Campinas: Verus Editora, 2022.
Por Simone Ota
A minha leitura do livro O Capricho das Estrelas estremeceu o ótimo relacionamento que eu tinha com a escritora irlandesa Emma Donoghue, de 53 anos. Eu me apaixonei por ela logo nas primeiras páginas de um outro livro seu, intitulado Quarto,¹ que apresenta uma história narrada por um menino (Jack) de 5 anos que nasceu num cativeiro e, por isso, acredita que o mundo se resume ao quarto de 11 metros quadrados em que ele e sua mãe são mantidos reféns.
A
forma como Jack descreve os objetos, aprende e brinca dentro daquele cubículo
me arrebatou. Foi o livro mais rápido que li na vida! Não consegui parar de lê-lo
nem enquanto me preparava para um casamento (o maquiador teve que fazer
malabarismos para me arrumar). Para quem só viu a adaptação no cinema (O
Quarto de Jack, 2015) e acha que estou exagerando, recomendo que leia o
livro para ver o quanto foi perdido. Mas o problema não foi do diretor, do
roteirista, do estúdio e muito menos de Brie Larson, que ganhou o Oscar de
melhor atriz pela interpretação da mãe de Jack: realmente, não havia como reproduzir
no telão todo o clima de suspense criado por Emma Donoghue a partir de jogos de
palavras, sussurros, frases curtas e infantis e a compreensão de mundo de uma
criança.
Meu
segundo contato com Emma Donoghue aconteceu de forma inversa, com o filme O Milagre
(2022), que conta a história de uma enfermeira que investiga o caso de uma
menina de 11 anos que se recusa a comer e vira atração turística na cidade. O principal
mérito desse suspense, que traz Florence Pugh no papel principal, foi que ele
me deixou com vontade de ler o livro. É que, conhecendo as possibilidades da
autora, imagino que muitos sustos tenham escapado da telona.
Foram
essas experiências que me deixaram curiosa para ler a mais recente obra de Emma
Donoghue, O Capricho das Estrelas, que ela começou a escrever em outubro
de 2018 inspirada no centenário da grande gripe, que matou cerca de 50 milhões
de pessoas no mundo todo entre 1918 e 1919. Por uma infeliz coincidência, em
março de 2020, quando a autora entregou a última versão da obra à editora, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a pandemia da Covid-19.
Acredito
que, em 2043 ou 2053, esse timing da autora será importante para os
leitores, mas agora, quando tudo está tão fresco em nossa cabeça, ler sobre o corre-corre
dentro do hospital, a escassez de leitos, de medicamentos e de profissionais da
saúde, a falta de informação sobre como enfrentar o vírus (no caso, o
influenza) e a quantidade de novos pacientes e de óbitos registrados
diariamente mais parecem um déjà vu.
A
ficção também se confunde com a realidade em outros momentos do livro. Por meio
da narradora, a enfermeira Julia Power, ficamos sabendo que a população mais pobre
era a mais suscetível à gripe; que as ervas usadas para combater os sintomas
não tinham qualquer aval científico; e que as autoridades erraram quando acharam
que o vírus atacaria somente os idosos.
Se
já não bastasse isso, Julia Power ainda precisa cuidar de gestantes, de recém-nascidos
e fazer partos! (Sim, Emma Donoghue contou com a ajuda de uma parteira e de uma
médica para descrever, com detalhes arrepiantes, um parto natural e uma cesariana
feita às pressas no meio da enfermaria apertada. O talento da autora se faz notar
aqui, pois é possível sentir as dores de cada contração).
O
Capricho das Estrelas se passa em apenas três dias dentro de
uma maternidade localizada em Dublin, capital da Irlanda. Nesse curto espaço de
tempo, conhecemos várias mulheres fortes e corajosas, como a médica Kathleen Lynn
(que existiu na vida real), a voluntária Bridie Sweeney, a própria Julia Power
e as mães que chegaram e partiram.
Definitivamente,
esta obra não chega aos pés de Quarto, eleito um dos melhores livros do
ano pelo New York Times e que colocou Emma Donoghue entre as finalistas
do Prêmio Booker; entretanto, daqui a vinte ou trinta anos, quando a Covid-19
tiver ficado no passado, acredito que O Capricho das Estrelas será um
excelente referencial para que os leitores do futuro compreendam como uma
pandemia afeta o dia a dia das pessoas.
Referência
1.
DONOGHUE, Emma. Quarto. Campinas: Verus Editora, 2011.
Bacana, mas que pena que não gostou. Ezequiel
ResponderExcluirPois é, professor, essa foi a dificuldade desta resenha. A boa notícia é que agora tenho mais conhecimento sobre a escrita de Emma Donoghue.
ExcluirAmei conhecer a autora pelo seus olhos, Simone, e como você, apesar de não considerar esse livro uma grande obra da autora, ainda assim deixou aberto para o leitor a escolha, se vale a pena ou não ler o livro. Parabéns!
ResponderExcluirUfa, objetivo atingido com sucesso então! Muito obrigada, Rachel.
ExcluirIncrível a força definidora da mulher em atuação, assim como o cuidado em escrever sobre essas vivências. As suas sugestões de leitura me parecem um convite ao olhar de ternura e compaixão da mulher em suas variáveis faces. Realmente vale a pena ler.
ResponderExcluirFlávia, você captou a forma como Emma Donoghue retratou suas personagens femininas nas três obras. Parabéns!
ExcluirSimone, apesar de não ter se encantado tanto com a obra mais recente da autora, seu comentário me instigou a conhecer os outros livros que ela já publicou. Agradeço por suas palavras e parabenizo pelas reflexões. Realmente, a obra ter se confundido com o momento que vivemos muito recentemente pode ter sido uma infeliz coincidência que influenciou a originalidade do tema do livro e o encanto que ele poderia provocar.
ResponderExcluirSofia, fiquei muito feliz com a sua observação, pois você acertou em cheio o meu objetivo com esta resenha. Muito obrigada!
ExcluirNão conheço outras obras da autora, mas gostei do comentário. Vou procurar ler livros dela. Acredito que o que atrapalhou seu gosto pela obra foi oi momento da publicação, juntamente com o caos de saúde que enfrentamos nos últimos anos. Mas como a autora poderia adivinhar? Infeliz coincidência.
ResponderExcluirPriscila, comece por "Quarto". É muito bom!
ExcluirSimone, seu comentário só me fez querer conhecer ainda mais essa história. Agradeço por ter perseverado e escrito a resenha! ~talvez eu não consiga esperar vinte anos~
ResponderExcluirQue legal, Isis. Adorei!
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