FÁBULAS AO CONTRÁRIO
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MONTERROSO, Augusto. A ovelha negra e outras fábulas. Tradução de Ana Bela Almeida. Coimbra: Angelus Novus, Editora, 2008. 114p.
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Ezequiel Theodoro da Silva
Faculdade de Educação, Unicamp
O livro A Ovelha Negra e Outras Fábulas (1969), de Augusto Monterroso, é uma coleção de histórias curtas que, embora enquadradas no gênero das fábulas, subvertem as expectativas convencionais desse tipo de narrativa. As fábulas, tradicionalmente associadas a lições morais claras e personagens animais que simbolizam virtudes e defeitos humanos, são abordadas por Monterroso com um olhar irônico e humor ácido. Sua obra combina elementos do realismo fantástico e da paródia, desafiando o leitor a questionar os padrões estabelecidos e as lições de moral simplistas.
No conto-título, "A Ovelha Negra", Monterroso nos apresenta uma ovelha que, ao contrário do rebanho, decide seguir seus próprios caminhos. Em vez de um desfecho didático que valoriza a conformidade ou o comportamento virtuoso, a narrativa se desenrola de maneira irônica, revelando as limitações de uma moral tradicional e fechada. Ao terminar a história sem uma resolução moral tradicional, o autor subverte a expectativa de que a transgressão será punida de forma exemplar, obrigando o leitor a refletir sobre a complexidade das ações e suas consequências.
Essa abordagem crítica permeia a obra, que muitas vezes utiliza a brevidade das fábulas para lançar uma crítica social. As narrativas curtas e aforísticas criam um efeito de estranhamento, desconstruindo valores que antes pareciam absolutos. Monterroso, em vez de oferecer uma moralidade rígida, parece mais interessado em expor a ambiguidade da natureza humana e as contradições da sociedade.
Outro aspecto importante é o uso do humor. O humor de Monterroso é uma ferramenta afiada que serve para suavizar e, ao mesmo tempo, acentuar as críticas subjacentes. Muitas vezes, o humor vem de uma inversão das expectativas ou da introdução de um elemento de absurdo, o que revela a fragilidade das normas e convenções sociais.
Em termos de estilo, A Ovelha Negra e Outras Fábulas reflete o talento de Monterroso para a concisão. Cada história é destilada até sua essência, sem desperdício de palavras, o que reflete a influência de autores como Kafka e Borges. O minimalismo das histórias, no entanto, não compromete a profundidade; pelo contrário, cada frase parece carregada de significado, convidando o leitor a interpretar além do que está explicitamente dito.
O livro, portanto, não é apenas uma coletânea de fábulas contemporâneas, mas uma meditação sobre a condição humana. As lições morais das fábulas tradicionais são questionadas, revelando uma sociedade onde a lógica do poder, a injustiça e a hipocrisia muitas vezes prevalecem. Monterroso nos oferece um espelho distorcido da realidade, no qual as respostas fáceis e as verdades absolutas desaparecem, sendo substituídas por perguntas desconfortáveis.
Em resumo, A Ovelha Negra e Outras Fábulas é uma obra que vai além do simples entretenimento. Ao subverter as convenções das fábulas e empregar um humor crítico, Monterroso desafia o leitor a refletir sobre a moralidade, a sociedade e o comportamento humano. Suas histórias curtas e irônicas permanecem relevantes e provocativas, demonstrando a habilidade do autor em combinar a simplicidade formal com a complexidade intelectual.
Tenho o livro, professor! A editora Mundaréu publicou as obras completas desse autor recentemente. Quando comprei essa versão que o senhor comenta, pensei que o conteúdo tivesse uma pegada infanto-juvenil; na verdade, só depois, em casa, reconheci melhor do que se tratava - mas continuo achando que ele pode já desafiar leitores a partir do Ensino Fundamental II, sim? Fiquei com vontade de ler agora. E o tradutor: não poderia ter sido melhor para um livro desses! 😄 Obrigada pela partilha!
ResponderExcluirGrato pela sua leitura, Juliana. Eu realmente vibrei muito com o livro.
ExcluirO livro me parece interessante e descontraído! Adicionei a minha lista!
ResponderExcluirSou fã de Augusto Monterroso!!! Não pelo fato de amar a literatura latina, mas pelo encantamento que me traz o modo conciso (e aparentemente simples) que o autor escreve requerendo uma análise culta e complexa. Adorei o livro, professor, já anotei aqui na minha listinha!!!
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